sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Propinas: falar claro!

Propinas de Ensino Superior. Tema que se presta sempre a muitas controversas, que regressam anualmente, com maior ou menor intensidade. Desde logo porque há divergências de fundo sobre a repartição dos encargos com o Ensino Superior. Mas também porque há um manifesto desconhecimento e, pior do que isso, o propagar de ideias erradas. O artigo hoje publicado no Diário Económico, é disto um bom exemplo. Vamos por partes.

1. O PCP vai apresentar uma alteração à proposta do Orçamento de Estado para congelar os valores das propinas no próximo ano letivo.

Quase, mas não é bem assim.

O que o PCP propõe, em três linhas e uma palavra, é suspender a aplicação do regime de atualização de propinas que consta da Lei que estabelece as bases de financiamento do ensino superior.

E o que diz esta Lei?

Diz que as propinas são fixadas anualmente, por cada instituição, entre um valor mínimo, indexado ao salário mínimo (atualizado anualmente), e um valor máximo, indexado a um valor de referência de 1941 (sim, é verdade!) e atualizado (cá está) com base no índice de preços no consumidor.

Porque é que isto é importante?

Porque a proposta do PCP é, assim, de congelar o intervalo dentro do qual as Universidades podem fixar a propina, não o valor da propina em vigor em cada uma.

Ora tendo em conta que apenas 5 das 13 universidades públicas "normais" (excluindo a Aberta) estão atualmente a praticar o valor máximo, esta proposta permitirá ainda assim, digo eu, que as restantes 8 decidam se aumentam ou não o valor da propina.

2. Para as instituições de ensino superior públicas o aumento de cinco euros representa um milhão de euros. E será este o valor que as instituições irão reclamar ao Estado caso o valor das propinas venha a ser congelado, sabe o Económico.

Pois, não está correto.

O aumento da propina não é automático como demonstrado. Cada instituição tem a autonomia para, dentro de determinados limites a fixar.

Nem se deve ao Governo, até porque a Lei é da Assembleia da República.

Portanto não se vê onde estará esse direito a reclamar a não ser, quando muito, das instituições que têm adotado o valor máximo. E, mesmo assim, nada garantiria que o iam fazer no próximo ano letivo.

3. Para o reitor da maior universidade portuguesa, cobrar propinas aos estudantes "foi uma forma encontrada pelos governos, que permite reduzir a dotação transferida pelo Estado e conseguir manter as universidades a funcionar, diz Cruz Serra lembrando que desde 2010 as universidades perderam "50% de financiamento público.

Vou repetir: a Lei não é dos Governos, é da Assembleia da República. E a atualização anual está indexada quer quanto ao valor mínimo, quer quanto ao máximo, não havendo decisão política.

Mais. A lei é de 2003. Portanto talvez seja necessário comparar a evolução dos orçamentos das universidades desde 2003. Não apenas desde 2010.

Mais ainda. As universidades fixam livremente, sem máximo, as propinas de vários cursos de 2.º e 3.º ciclo, par além das referidas aos estudantes abrangidos pelo estatuto do estudante internacional.

Coisa diferente é discutir o inexistente modelo de financiamento, e a mesma Lei que vimos referida, que não é cumprida por sucessivos governos. O modelo foi construído para distribuir um bolo que devia crescer sempre, em instituições em que predominam custos fixos por períodos prolongados. E quando o bolo deixou de crescer ...

4. À medida que as instituições foram recebendo menos dotação do Estado, foram-se vendo obrigadas a fixar o valor máximo legal (de propinas), diz Luísa Cerdeira.

Como referi, nas Universidades públicas estamos a falar de 5 em 13. Sem ter verificado, julgo que ainda serão menos os politécnicos que estão no valor máximo.

Portanto a obrigação está longe de ser obrigatória.

É certo que, em todos os casos, estamos a falar de valores não muito distantes um dos outros, e valores muito mais elevados do que os praticados antes da referida Lei de 2003. Nas Universidades a gama de valores oscila entre 965 e pouco menos de 1065 euros.

Resta saber quais as motivações, que não excluirão certamente, mas que não se confinarão à substituição de receita do Estado: noção de que preço mais elevado pode ser associado a maior qualidade, comparação com a concorrência, apreciação do valor praticado face à capacidade de o suportar, apreciação do valor face ao diferencial estimado para os graduados, etc, etc.

Aliás, na própria Universidade de Lisboa as propinas de 2.º ciclo 3.º ciclo variam de Escola para Escola e estou certo de que não será, apenas, tendo em conta o orçamento de cada uma.

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