quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Um romance orçamental - 3. O contrato

Do episódio anterior: "Ouço vozes. (...) "É essencial que o Governo cumpra o contrato que assinou com as universidades.""
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/09/um-romance-orcamental-2-ouco-vozes.html

O contrato! Aquele contrato! Solene. Com dezanove assinaturas. Quatro são de Ministros. Firmado aos dezasseis de julho do ano da graça de 2016, no Paço Ducal da Casa de Bragança, sito na cidade-berço da nacionalidade. Entre paredes que representam, só ali, seis séculos de História. Bem mais, se olharmos para o Castelo, ou para a Condessa Mumadona Dias, virada para o Paço, feita estátua, devolvendo-nos o olhar.

Será este um contrato para ficar para a História? Para qual? A curta ou a longa? Para a dos contratos das Universidades-Fundação de primeira geração, também solenemente celebrados e, desde logo, não cumpridos por sucessivos governos? Para a de um outro contrato, a que até chamaram "de Confiança", que desapareceu sem deixar rasto? Veremos. Talvez já no orçamento de 2018.

Mas deixemos o tempo que já passou e o tempo que ainda não veio. Voltemos ao tempo presente. Ao que diz o contrato, em vigor. E que vigorará para a legislatura, dizem, e escreveram, Governo e Universidades, de comum acordo.

O Governo que governa compromete-se a não baixar as dotações do Orçamento de Estado. Menos mal. Nada que permita enfrentar o tão falado subfinanciamento. Nada que diga como o dinheiro é repartido entre as Universidades. Presume-se que mantendo o que vem de outra história. Nada diz sobre um financiamento calculado por fórmula. Mas é melhor que os cortes do passado. E espera-se que impeça cortes no futuro. Mas há mais. O governo compromete-se a suportar os aumentos salariais que determinar. E mais ainda. Compromete-se a suportar os "montantes necessários à execução de alterações legislativas com impacto financeiro que venham a ser aprovadas". Aqui parece caber todo um mundo. Como a contratação imposta de doutorados. Ou a regularização de precários. Ou outras disposições legais que afetem as carreiras. O Governo, cujas dotações não suportam o encargo de todos os trabalhadores das Universidades vai suportar, na íntegra este novo mundo. Não é pagar para ver. Ou não devia ser. O compromisso é só pagar. A menos que haja outras interpretações, com ou sem vírgulas. Já que letras em caligrafia reduzida e notas de rodapé não existem.

As Universidades, por seu turno, comprometem-se a fazer mais. Mais sucesso. Mais alunos a contactar com investigação. Mais alunos. Mais dinheiro privado. E quanto toca a dinheiro aparecem metas. Neste caso, o aumento terá de ser o dobro do crescimento do PIB. Metas que se reportam a 2020. Mas há mais ainda. Irão reduzir ou eliminar o recurso a bolsas de pós-graduação após três anos de trabalho doutoral. Tudo objetivos de equipa, de todas as instituições. Fica por saber o que acontece em caso de incumprimento, geral ou individual das ditas. Mas isso será lá mais para 2020. Tempo de outro Governo, que até pode ser o mesmo. E também deste lado há mais ainda. As Universidades criarão um mecanismo de entreajuda financeira para gerir situações de desequilíbrio financeiro. Mais uma vez mete dinheiro, E portanto mais detalhes. Um fundo para onde vai 0,25% da dotação de cada uma.

Contrato a avaliar. Com relatórios a submeter pelo Conselho de Reitores. Sobre todos os pontos do contrato. Todos os seis meses. Sujeitos a escrutínio público, com a mesma pompa? Não me parece.

Seja como for este contrato cria uma outra paisagem, que serve de fundo às vozes.

(continua)

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