segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Gripal

Grécia, Irlanda, Portugal

Espirros, doenças, doenças crónicas, contágios. Cura certa parece ainda não haver, nem vacinas. Fatalidades também não, felizmente. Para quem não se preveniu, evitando comportamentos de risco, aplicam-se transfusões, medidas em milhões de euros.

Dizem que são todos casos diferentes. Mas parece que os mercados, essas estirpes que de um dia para o outro se tornaram maléficas, mutagénicas e resistentes, são imunes à virtude da diferença. Permanentemente insatisfeitos procuram sem cessar um novo hospedeiro.

Na Grécia martelavam-se estatísticas, ocultando problemas mais profundos; aperte-se o cinto e reponha-se verdade. Na Irlanda falharam os bancos, e em grande; injecte-se dinheiro, aperte-se o cinto para pagar a factura e a produção do tigre celta deverá permitir a retoma.

E em Portugal? Aqui parece que é a economia que não funciona ... há já uma década ... muito antes portanto da crise financeira internacional. O problema é, por isso, mais grave. E a actuação errática: aperte-se o cinto; alargue-se um pouco; volte-se a apertar; não é preciso fazer mais nada porque estamos pouco expostos; o nosso património genético permitirá uma recuperação mais rápida do que a de qualquer gaulês ou germano; afinal talvez seja melhor voltar a apertar; se os outros apertam nós apertamos também. E o défice, qual cancro, não ajuda e ganha vida própria, crescendo quando menos se espera, mesmo depois de tratamentos de choque e de previsões de melhoria. Os curandeiros de serviço continuam a apregoar as suas capacidades de erradicar qualquer doença; detentores do conhecimento recusam, por princípio, a conjugação de esforços e de qualquer medicina alternativa vinda de outra tribo, indígena ou forasteira.

É aqui que as estrofes de três cantautores lusos, Jorge Palma, Sérgio Godinho e Pedro Abrunhosa, ganham novo sentido: são 7 da tarde, está-se tudo a passar, e vem-me à memória uma frase batida: vamos fazer o que ainda não foi feito!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Posições vitalícias vs. vitalidade das posições

Uma petição às Cortes, na Espanha do século XVI, onde os professores de posição mais elevada eram nomeados para toda a vida, declarava:

"Pedimos a Vossa Majestade que as cadeiras nos estudios de Salamanca e Valladolid sejam concedidas, não de forma vitalícia, mas só de forma temporária, como acontece na Itália e noutros sítios, porque quando são atribuídas de forma vitalícia surgem muitos problemas e complicações, especialmente entre aqueles professores que, tendo tomado posse da sua cadeira, não se preocupam nem com estudar nem com ajudar os estudantes. Mas quando as cadeiras são temporárias, há muitas vantagens porque os docentes procuram voltar à sua cadeira, para aumentarem os seus salários e para terem maior audiência estudantil."

"Uma história da universidade na Europa", vol. II - "As universidades na Europa Moderna (1500-1800)", W. Rüegg (coordenador geral).

Interessante esta última referência à busca pela audiência estudantil como factor de reconhecimento do mérito; algo que à luz dos códigos de hoje seria considerado um "indicador de desempenho" integrado num qualquer sistema de avaliação.

Imaginemos uma cadeira ministrada por vários docentes; imaginemos que os alunos não são distribuídos burocraticamente por turmas de acordo com padrões de distribuição de serviço pelos docentes e de ocupação do espaço; imaginemos que os alunos possuem liberdade de escolher o mestre com quem querem aprender; imaginemos que se tiram consequências das procuras abundantes e das procuras escassas; imaginemos ...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A missão de Cambridge

A Universidade de Cambridge é uma instituição conhecida e reconhecida mundialmente.

Com 800 anos de idade é mais antiga do que a maioria dos países; tem associada à sua história nomes como os de Erasmus, Newton, Byron, Harvard (que viria a dar o nome a uma famosa universidade do outro lado do Atlântico), Babbage, Nehru e Hawking, entre muitos outros, incluindo 88 prémios Nobel; com cerca 23.000 estudantes tem 30% de alunos em estudos de pós-graduação e, destes últimos, 50% são estrangeiros; conta com 4000 docentes a tempo inteiro e com mais de 4500 não-docentes; o seu orçamento anual supera mil milhões de libras. Lidera rankings e o seu nome evoca prestígio.

Mas este legado, quase milenário, assenta em princípios que são traduzidos e comunicados de forma simples, num par de linhas: "The mission of the University of Cambridge is to contribute to society through the pursuit of education, learning, and research at the highest international levels of excellence".

E em apenas dois valores fundamentais, mas que encerram o potencial para gerar novos conhecimentos, novas atitudes e maior igualdade: liberdade de pensamento e de expressão; livre de discriminação.

Simples de dizer, difícil de praticar!

domingo, 7 de novembro de 2010

Visões de um futuro presente

Era uma sexta à noite, como tantas outras. O pequeno restaurante típico, não mais do que dez mesas e balcão esgotando o espaço, encontrava-se cheio de clientes. Desta vez havia algo de diferente; as conversas não pareciam remeter para as notícias que passavam na televisão, para o próximo jogo de futebol, para o balanço da semana ou para a noite que se iniciava, como seria hábito nos clientes habituais. As palavras que soavam eram incompreensíveis, as sonoridades remetiam para paragens distantes, a língua dominante era oriental. Dois grupos jantavam, com ar festivo. Os pedidos frequentes eram intermediados pelo filho mais novo, que alternava sem dificuldade entre o chinês e o português, revelando assim uma já longa presença em Portugal. Afinal não eram turistas. Eram apenas mais uns habitantes locais, jantando fora, numa sexta-feira.