quinta-feira, 31 de março de 2011

Aos partidos e ao futuro governo de Portugal

As eleições legislativas foram marcadas, hoje, dia em que também se ficou a conhecer o valor do défice de 2010. É pois altura de se discutir o futuro de Portugal e, neste contexto, de se obter dos partidos um compromisso, que se quer novo, para com os portugueses.

Espero que os partidos, em sinal de respeito por todos nós, e também como sinal da vontade de fazer uma política diferente, se abstenham de uma campanha com comícios, caravanas, bandeirinhas e cartazes. A televisão, a rádio, a imprensa e a internet serão mais do que suficientes para exprimir ideias. Espero que essa contenção, de forma e de meios, seja também um sinal de que acabou o tempo de premiar os seguidistas, os melhores angariadores de figurantes e de votantes, aqueles que só tratam da máquina a troco de qualquer coisa.

Espero que os partidos reconheçam a situação de verdadeira emergência em que nos encontramos que, como tal, impõe uma acção expedita. Assim, espero que sejam claros quanto: às metas para 2011 e 2012; às áreas, dimensão e natureza dos cortes necessários; aos estímulos a criar; às medidas em vigor que irão manter ou revogar; aos recursos necessários; ao nível de apoio social; ao grau de incerteza existente.

Já agora, e havendo um aparente consenso quanto à crescente falta de credibilidade dos políticos, espero que cada partido apresente, para além do candidato a Primeiro-Ministro, três nomes fortes, com coragem suficiente para desde já se comprometerem com uma linha de acção e em servir o País, neste momento difícil.

Espero ainda que sinalizem um caminho para o futuro: que áreas carecem de intervenção; que ideias de mudança; que consensos necessários.

Espero também, em nome do interesse do país e do esclarecimento dos eleitores, que definam a posição que adoptarão caso não seja alcançada uma maioria absoluta.

Espero que o próximo governo assuma a transparência como traço condutor da sua actuação. A transparência é a única forma de restaurar a credibilidade, seja interna ou externa, seja referente às contas públicas ou aos processos de decisão.

Espero que o próximo governo adopte medidas efectivas, e que as saiba comunicar, em conjunto com medidas simbólicas que podem parecer simbólicas mas ajudam a fomentar a confiança e a mostrar o caminho a percorrer.

Espero que o próximo governo tenha dúvidas.

Espero que o próximo governo se abstenha de inaugurar obras, em cerimoniais que consomem tempo e recursos, que fomentam tantas vezes comportamentos de vassalagem, que não trazem valor acrescentado.

Espero que o próximo governo comemore, com todos nós, a saída da crise em que nos encontramos.

É altura de ter coragem!

terça-feira, 29 de março de 2011

Notas passadas: O poder de decidir sobre quem vive e quem morre

Líbia, 2011: um ditador em queda; um país com petróleo; desertos; revoltas; intervenção de países europeus e dos EUA, a pretexto da defesa da população; o derrube de um regime como intenção não declarada.

Com as devidas diferenças lembrei-me de outra data.

Iraque, 2003; um ditador; um país com petróleo; desertos; a eventual existência de armas de destruição maciça; intervenção dos EUA e de países europeus com base na doutrina da guerra preventiva; o derrube de um regime em pano de fundo.

Eis um texto que, então, escrevi.

O poder de decidir sobre quem vive e quem morre

O desfecho previsível da invasão do Iraque está iminente: as forças militares americanas estão já em Bagdad e o fim do reinado e, talvez, do próprio ditador iraquiano estão próximos.

Para trás ficaram três semanas de guerra, dita de um novo formato. Foram muitas horas de imagens em directo, qual vídeo-guerra "soft", de jornalistas na linha da frente, de mensagens de propaganda, de infindáveis especulações nos estúdios de televisão, tentando adivinhar a hora seguinte do conflito. Tanta "informação" quase consegue fazer esquecer a crueza da guerra, ao mesmo tempo tão perto, mas tão invisível.

A realidade desta guerra, como de todas as outras, são as pessoas que sofrem, muitas das quais alheias ao conflito, sem partido tomado e com o desejo de viver em paz. Contar-se-ão certamente por milhares os mortos, os feridos, os que tudo perderam e cuja vida foi tragicamente alterada. Desta realidade, contudo, pouco sabemos.

Uma parte daqueles que iam ser "libertados" nunca verão o futuro. Mesmo destino tiveram alguns dos "libertadores". Por acidente, por erro, por medo, por raiva ... porque a guerra é assim.

Alguns dirão que é inevitável, que em todas as guerras há vítimas inocentes. E será verdade. Mas essa é também uma das razões pelas quais a guerra deve ser, de facto, o último recurso. Dirão, talvez, que é o preço a pagar. Mas será um preço demasiado elevado, imposto por países ditos civilizados a pessoas que tal não reclamaram.

Para evitar vítimas, hipotéticas, de um futuro mais ou menos distante, provocam-se vítimas bem reais no presente. Esta é a lógica da proclamada acção preventiva. Este é o fardo que recai sobre quem decidiu que já não existiam outras alternativas e, ao fazê-lo, tomou nas suas mãos o poder de decidir sobre a vida, o sofrimento e a morte de milhares de pessoas.

Publicado no Jornal Público, Cartas ao Director, em 09/04/2003.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Improdutividade é ...

Ter 230 pessoas bem remuneradas, mais uns quantos governantes, e sem esquecer o respectivo pessoal de apoio, reunidas durante 5 horas, sem qualquer debate e sem valor acrescentado para o País, apenas para formalizar uma decisão que já estava tomada, anunciada e explicada. Aconteceu hoje na Assembleia da República, antes da votação do chamado PEC4.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Bem me quer, mal me quer

"Students and faculty are ambivalent about administrative units and structures, which they often regard as constraining, harassing, and bureaucratic. Yet they expect the institution to wok smoothly, and they want a great variety of facilitating services that can be provided only by means of elaborate procedures and orgaization. Participation, communication, and consultation are also essential, yet these functions require another layer of mechanisms and draw off the attention and energy of many members of the university from their primary duties. Harmonizing and humanizing these administrative and communicative aspects of the university is an important task."

F. Balderston (1995) "Managing Today's University".

quinta-feira, 17 de março de 2011

Manipulação

Hoje ouvi Telmo Correia, do CDS-PP, dizer, na SIC Notícias, que 2/3 do IRS que os portugueses pagam são para custear os juros da dívida. É uma frase obviamente preparada, para ter impacto, e que, se não me engano, tinha já sido proferida por Paulo Portas.

Com esta mensagem pretende-se associar, de forma implícita, o imposto que cada um paga (fruto do trabalho) a uma despesa não produtiva (fruto da má governção) e elevada artificialmente (por especuladores).

Telmo Correia podia ter usado uma contabilização análoga para dizer que determinada fracção do IRC serve para pagar os tais juros da dívida, impedindo assim o crescimento da economia. Ou para dizer que, afinal, os 2/3 pagos pelos contribuintes individuais foram usados para investimentos na reabilitação das escolas, no fomento das energias renováveis, etc. Ou para dizer muitas outras coisas, de conotação mais positiva ou negativa.

É uma questão de escolha, uma vez que o dinheiro não tem cor. Mas aqui foi, acima de tudo, uma escolha tendo em vista os fins que se pretendem alcançar. Uma mera manipulação da audiência.

O que deveria ter sido dito, se a verdade e o rigor fossem mais importantes, era que os juros da dívida têm um valor equivalente a 2/3 da receita do IRS. Parece quase a mesma coisa. Mas não é! E estas pequenas subtilezas são frequentemente deixadas passar, sem questionamento, pelos jornalistas (neste caso por Mário Crespo), mais preocupados em manter o fluir dos diálogos, das argumentações e dos comentários aos comentários.

domingo, 13 de março de 2011

(De)mérito

"Continuamos a ser um país pobre, o que explica que um emprego à vida seja a ambição suprema. A meritocracia ficou para trás, o que não admira, pois quem é miserável não costuma valorizar a concorrência.
Referindo-me ao mundo que conheço melhor, o universitário, eis como as coisas se passam. Apesar de ocasionalmente sujeitos a uns concursos mal engendrados, os docentes e os investigadores do "quadro" não só têm um posto de trabalho vitalício como ganham, os bons e os maus, o mesmo salário. Vendo este exemplo, os jovens que frequentaram a universidade consideraram tal situação a ideal. Mas não o é."

Maria Filomena Mónica, em crónica no Jornal Público de hoje.

Este retrato, em verdade, não diz só respeito às universidades, aos seus docentes e investigadores. Mas este texto ilustra a situação em que vivemos e que promove a injustiça social e a falta de produtividade.

O não reconhecimento do mérito desmotiva e é injusto; recebe-se em função do que se é suposto fazer (de acordo com a categoria, a descrição funcional ou o posto ocupado) e não do que realmente se faz, em termos de qualidade e quantidade; paga-se de menos a quem faz bem ou demais a quem não faz.

A ocupação para a vida, num contexto de escassez de recursos, lugares limitados e em que a esperança de vida e a duração da vida activa aumentam, limita as oportunidades de outros, por melhores que sejam ou possam vir a ser; facto tanto mais grave quanto alguns dos lugares vitalícios são ocupados por pessoas de reduzido mérito.

A combinação destas duas facetas é fatal para o futuro das pessoas, das organizações e do país como um todo.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Notas passadas: Maioria absoluta

As "notas passadas" trazem textos que escrevi antes do início deste blog.

Desta vez recuo até Janeiro de 2002, dois meses antes de eleições legislativas antecipadas pela demissão de António Guterres. Passaram nove anos, mas o texto que se segue poderia ter sido escrito em numerosos momentos desde então; poderia até ter sido escrito hoje!

Maioria absoluta

Agora que se avizinham eleições legislativas, regressam os habituais pedidos, do PS e do PSD, para que lhes seja concedida uma maioria absoluta. É um desejo compreensível, porque tal maioria assegura uma governação mais fácil, embora não seja, necessariamente, sinónimo de melhor governação.

Mas este apelo é também um péssimo sinal, por três razões principais.

Em primeiro lugar porque a vontade de poder decidir sozinho indicia uma escassez de matéria, de vontade ou de capacidade para gerar consensos alargados em torno das grandes reformas que são indispensáveis, na saúde, na justiça, na economia.

Em segundo lugar, pelo momento em que surge, ainda antes de uma apresentação pormenorizada das propostas para o país, assemelhando-se a um pedido de um cheque em branco. Se a emissão de tais cheques, mesmo em nome de "mentes iluminadas", encerra incerteza e risco, estes são muito maiores quando os possíveis destinatários são, essencialmente, "baços".

Finalmente, e não menos importante, no dia das eleições não somos inquiridos sobre o nosso desejo de uma maioria absoluta em Portugal. Assim, o apelo do PSD e do PS é, na verdade, um apelo ao voto inútil, aquele que não representa uma escolha de ideias, propostas ou protagonistas, mas meramente uma manifestação de fé num "cavalo ganhador".

Entre os cheques em branco, pedidos mais ao centro, alianças com o peregrino objectivo de conquistar o poder, mais à direita, ou as lutas internas, mais à esquerda, o cenário é francamente desolador.

Será que não podem perder todos, para que algo mude de vez nesta maneira de fazer política?

Publicado no Jornal Público, Cartas ao Director, em 15/01/2002.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Companhias

"Não é de pouca importância para um príncipe a eleição dos ministros; os quais são bons ou maus, segundo a prudência do príncipe. E a primeira conjectura que se faz acerca do cérebro de um senhor baseia-se na verificação dos homens de que se rodeou; e, quando são idóneos e fiéis, sempre se pode reputá-lo sábio, porque soube conhecê-los idóneos e conservá-los fiéis. Mas quando seja de outro modo, sempre se fará juízo dele; porque o primeiro erro que pratica, o pratica em tal eleição."

in "O Príncipe", Nicolau Maquiavel.