Desta vez recuo até Janeiro de 2002, dois meses antes de eleições legislativas antecipadas pela demissão de António Guterres. Passaram nove anos, mas o texto que se segue poderia ter sido escrito em numerosos momentos desde então; poderia até ter sido escrito hoje!
Maioria absoluta
Agora que se avizinham eleições legislativas, regressam os habituais pedidos, do PS e do PSD, para que lhes seja concedida uma maioria absoluta. É um desejo compreensível, porque tal maioria assegura uma governação mais fácil, embora não seja, necessariamente, sinónimo de melhor governação.
Mas este apelo é também um péssimo sinal, por três razões principais.
Em primeiro lugar porque a vontade de poder decidir sozinho indicia uma escassez de matéria, de vontade ou de capacidade para gerar consensos alargados em torno das grandes reformas que são indispensáveis, na saúde, na justiça, na economia.
Em segundo lugar, pelo momento em que surge, ainda antes de uma apresentação pormenorizada das propostas para o país, assemelhando-se a um pedido de um cheque em branco. Se a emissão de tais cheques, mesmo em nome de "mentes iluminadas", encerra incerteza e risco, estes são muito maiores quando os possíveis destinatários são, essencialmente, "baços".
Finalmente, e não menos importante, no dia das eleições não somos inquiridos sobre o nosso desejo de uma maioria absoluta em Portugal. Assim, o apelo do PSD e do PS é, na verdade, um apelo ao voto inútil, aquele que não representa uma escolha de ideias, propostas ou protagonistas, mas meramente uma manifestação de fé num "cavalo ganhador".
Entre os cheques em branco, pedidos mais ao centro, alianças com o peregrino objectivo de conquistar o poder, mais à direita, ou as lutas internas, mais à esquerda, o cenário é francamente desolador.
Será que não podem perder todos, para que algo mude de vez nesta maneira de fazer política?
Publicado no Jornal Público, Cartas ao Director, em 15/01/2002.
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