Um dos princípios formulados por Sun Tzu, no seu tratado sobre a guerra, fala da importância do fator surpresa: "Ataca-o onde ele não está preparado, aparece onde não és esperado.". Esta parece ter sido uma das chaves da campanha do Pingo Doce para o dia 1 de maio; e a surpresa gerada explicará também muitas das reações que se registaram no próprio dia, a quente, e nos dias seguintes, a morno.
Foi uma ação inesperada para os clientes, habituais ou não, que gerou um sentimento de oportunidade única. Foi uma ação inesperada para os sindicatos que a interpretaram como uma concorrência às manifestações e se sentiram como o inimigo. Foi uma surpresa para a comunicação social que procurou as imagens mais fortes, não cuidando de saber se são as mais representativas. Foi uma surpresa para os políticos que tentaram incorporar este objeto estranho, e esta sociedade que de um modo geral lhes passa ao lado, nas suas guerrilhas. Foi uma surpresa para a concorrência do ramo, essa sim o "inimigo" real desta guerra.
Sim, porque campanhas com descontos iguais ou superiores a 50% ocorrem todos os anos, e até várias vezes por ano, sem controvérsia especial: saldos, baixas e rebaixas, promoções de produtos, estreias e lançamentos. Pague 1, leve 2. Com cartão ganha a dobrar. Habilite-se a um sorteio que devolve a totalidade do que gastou. Devolvemos o IVA, o imposto automóvel e qualquer dia o IMI. Só que estas campanhas, por terem entrado nos hábitos e se prolongarem no tempo, são previsíveis, podem ser geridas, não provocam sensação de urgência, de "agora ou nunca", de decisão quase instantânea.
Sim, porque esperar em longas filas para abastecer o carro a um preço mais baixo já não tem o mesmo impacto; ou acampar de véspera para conseguir bilhetes para um concerto; ou demorar horas em pára-arranca a caminho do Algarve,como sucede todos os Verões; ou tentar obter o último I-qualquer coisa; ou passar as mesmas horas em frente a um computador tentando uma pechincha num qualquer site de leilões, enquanto os nossos bytes e os dos outros se atropelam furiosamente na ânsia de chegar às prateleiras e às caixas.
Mas ao fator surpresa junta-se um outro, que não deve ser menorizado nestes tempos de quebra de poder de compra e de qualidade de vida: o facto de alguns - sublinho: alguns - dos produtos em causa serem alimentos e outros bens de consumo corrente. E é aqui que esta promoção se distingue das outras, porque sendo transversal, em lojas com grande variedade de produtos, permitiu a mistura de situações de necessidade real, de muitas pessoas, que tentaram apenas conquistar o direito a um mês menos duro, com situações de mera e legítima oportunidade de outros, na procura de produtos diversos a melhores preços, ainda que perfeitamente supérfluos.
A falta de informação séria sobre o que se passou neste dia 1 permite agitar hipóteses para todos os gostos, o que é normalmente feito como suporte às convicções de cada um: um país em estado de necessidade; um povo consumista; a vitória traiçoeira do grande capital; a quebra de influência dos sindicatos; uma brilhante estratégia de marketing; um serviço aos clientes; uma deficiente regulamentação; o funcionamento do mercado.
A realidade é mais complexa.
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