sábado, 5 de maio de 2012

Um trekking de alta montanha

Mais umas "Notas sobre o ensino superior", no Click, Antena 1:
(http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c80502)

A linguagem utilizada para falar do ensino superior, como aliás de outras áreas de serviço público, é agora dominada por termos que nos chegam da economia e da actividade privada. Gestão por objetivos, certificação de qualidade, exportação de serviços, quota de mercado, segmentação de públicos, concorrência, alianças estratégicas, fusões e aquisições, captação de investimentos. Estes exemplos revelam, não só a dimensão económica do ensino superior, mas também um modo próprio de pensar o ensino e as suas instituições.

Não admira, por isso, que haja quem olhe para os alunos como clientes num mercado de ensino superior. Clientes que pelas suas escolhas condicionam a oferta. Clientes que pagam um serviço de formação. Clientes que é preciso atrair, satisfazer e fidelizar a uma marca, a uma universidade. Esta é uma visão que tende a acentuar os direitos de uma parte, a dos estudantes-clientes, e os deveres da outra, a das instituições-fornecedoras.

Só que o ensino não é igual a outros serviços. As capacidades que se desenvolvem não são adquiridas através de uma simples transacção, não se podem experimentar antes, não se trocam nem se devolvem, e não se vêm. Resultam do trabalho conjunto entre cliente e fornecedor.

Por isso gosto mais da imagem do ensino superior como desporto-aventura, como um trekking em alta montanha. É uma atividade que requer guias experimentados, com conhecimento e prática; em que são precisos carregadores, uma infra-estrutura adequada e uma logística bem planeada. Haverá experiências diferentes à escolha e programas com distintos graus de dificuldade; é necessário preparação prévia. E nem todas as instituições, nem todos os guias, estão habilitados a oferecer os mesmos pacotes.

Mas no final o caminho é feito pelo cliente: foi ele que escolheu o programa e é ele que anda, que escala, que cai e se levanta, que enfrenta o sol, o vento e a neve. É orientado e auxiliado, mas não transportado. Minimizam-se os riscos, mas não se anulam. O percurso deve ser desafiante e exigente, para que proporcione algo de novo.

O que cada um traz da viagem é, sobretudo, o que descobriu, o que viveu, o que aprendeu sobre si próprio e sobre os outros. Enfim, tudo aquilo que passou a ser parte de si mesmo e que poderá utilizar noutros percursos, ao longo da vida.

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