sexta-feira, 11 de maio de 2012

Nas nuvens

Ouvi hoje o Primeiro-Ministro a falar sobre o desemprego, e julguei estar a rever o filme Nas nuvens, em que George Clooney representa o papel do despedidor, daquele que, não decidindo, anuncia uma interrupção brusca na vida de outros.

Eis o que disse Pedro Passos Coelho: "Estar desempregado não pode ser, para muita gente, como é ainda hoje em Portugal, um sinal negativo. Despedir-se, ou ser despedido, não tem que ser um estigma. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida. Tem de representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade.".

Ouvi; abanei a cabeça e ouvi novamente; ouvi uma terceira vez e transcrevi com cuidado.

Este é o Primeiro-Ministro de um País que, no fim de 2011, já tinha mais de 600 mil desempregados, dos quais mais de metade o estavam há mais de um ano, e 130 mil tinham menos de 25 anos. Este é o Primeiro-Ministro de um País em que o desemprego continua a aumentar, em que as previsões são sempre revistas em alta e em que o Ministro das Finanças revelou, há dias, que esta evolução é diferente daquilo que a experiência histórica permitia antecipar. Este é o Primeiro-Ministro que, apesar de já não existir crescimento significativo há mais de uma década e o poder de compra das pessoas estar em queda livre, acredita cegamente que basta querer ser empreendedor para mudar de vida.

Não, Sr. Primeiro-Ministro. Ser despedido não representa uma livre escolha. Ser despedido, na atual conjuntura, não representa uma oportunidade de mudar de vida; representa uma mudança obrigatória, para pior. Ser despedido, com estes níveis de desemprego, não representa uma mobilidade da própria sociedade; põe em causa a sociedade, pelo menos tal como a conhecemos.

Sr. Primeiro-Ministro, ser despedido em Portugal, em 2012, só tem um sinal, e é muito negativo.

Publicado (em versão reduzida) no Jornal Público, Cartas à Diretora, em 15/05/2012

2 comentários:

Cláudia Ramos disse...

Obrigada pela transcrição, Miguel (tinha ouvido e pensei que ouvira mal...).
Este senhor dirá qualquer dia também que um tsunami é uma oportunidade para tomar banho de mar!
Ideologia, falta de discernimento ou, cinismo? Ou tudo junto?
Sinto vergonha pelas muitas pessoa boas que conheço e que já estão desempregadas. E que querem trabalhar!

Miguel Conceição disse...

Desfasamento da realidade? Qualquer das possíveis explicações é má ...