Publicado no Jornal Público, Cartas à Diretora, em 31/10/2012
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
A prova da maratona
Vítor Gaspar gosta de imagens. Brindou-nos agora com a metáfora da prova da maratona e da persistência que esta requer. Não sei se o Sr. Ministro conhece a história que vou contar, sobre uma outra maratona, esta olímpica, e que se realizou há 100 anos, aquando da primeira participação de Portugal nos Jogos Olímpicos. Estávamos em Estocolmo, no dia 14 de julho de 1912, eram 13h48. A hora marca o início da prova mais dura: 42.195 metros percorridos em memória de Filípides, mensageiro da Grécia antiga. As condições externas são adversas, com uma temperatura superior a 30°C. À partida encontrava-se um jovem português, com vontade de lutar pela vitória. Terá untado o corpo com sebo para se proteger; terá ingerido uma mistura, comum à época, para melhorar o desempenho; terá sido um dos poucos a correr de cabeça descoberta. Ao quilómetro 30, mais três do que na imagem de Gaspar, desfaleceu. A temperatura do corpo subiu aos 42°C. Francisco Lázaro, era esse o seu nome, viria a falecer. Podem fazer-se os mais variados juízos, e mesmo apelidar Lázaro de insensato. Mas, talvez contra muitas outras vozes, ele acreditaria que estava no caminho certo. Não estava. A receita para a vitória não resultou.
domingo, 28 de outubro de 2012
3, 2, 1 ... Ação?
O Ministro da Educação e Ciência (MEC) foi, como todos os outros ministros, às jornadas parlamentares dos partidos da maioria, um evento em que o Governo de Portugal presta contas aos deputados de dois partidos e, ao mesmo tempo, fala para os ausentes - os outros partidos e o próprio País - tirando partido da presença da comunicação social. Estranha maneira de fazer política...
A TSF tem um pequeno extrato da intervenção do MEC (http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=2851657), em que este afirma "Este problema tem que ser enfrentado de frente, havendo uma racionalização da oferta, havendo maior fusão de instituições ou coordenação entre as instituições. (...) Nós temos sobretudo que enfrentar este problema que se passa nos politécnicos; viu-se este ano como houve tantos cursos que ficaram sem ocupação, sem alunos, e isto não se justifica; o País não pode estar a pagar isto, nem as Escolas lucram com isso."
Não se percebe se o diagnóstico (gasto e genérico) foi seguido por medidas concretas de ação, ou pelo menos, por uma ideia de futuro. Duvido que tal tenha acontecido!
Fui reler o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, e realço aqui alguns artigos, à atenção do Senhor Ministro.
Artigo 4.º, n.º 2: "Nos termos da Constituição, incumbe ao Estado a criação de uma rede de instituições de ensino superior públicas que satisfaça as necessidades do País.". As necessidades de formação superior não podem ser definidas e redefinidas ano a ano; não é esse o ciclo temporal adequado. Em termos de qualificação da população continuamos com níveis bem abaixo da maioria dos países desenvolvidos. Em termos de áreas de formação temos evidentes assimetrias. Quais as necessidades do País? E de que País?
Artigo 54.º, n.º 1: "O Estado deve promover a racionalização da rede de instituições de ensino superior públicas e da sua oferta formativa." Já lá vai quase ano e meio e nada, a não ser a repetição da palavra racionalização.
Artigo 17.º n,º2: "Os consórcios a que se refere o número anterior [entre instituições públicas de ensino superior ou entre estas e instituições públicas ou privadas de investigação e desenvolvimento, para coordenação da oferta formativa e dos recursos humanos e materiais] podem igualmente ser criados por iniciativa do Governo, por portaria do ministro da tutela, ouvidas as instituições." Aqui não se trata de fusões, mas sim de consórcios, uma forma de cooperação mais simples e mais rápida de estabelecer.
Artigo 55.º, n.º 1: "As instituições de ensino superior públicas são extintas por decreto-lei, considerados os resultados da avaliação e ouvidos os órgãos da instituição em causa, bem como os organismos representativos das instituições de ensino superior públicas e o Conselho Coordenador do Ensino Superior [desaparecido [s]em combate]."
Artigo 55.º, n.º 2: "Nos mesmos termos podem ser fundidas, integradas ou cindidas instituições de ensino superior públicas.", disposição que deverá enquadrar o processo de fusão em curso entre as universidades de Lisboa e Técnica de Lisboa. Está, no entanto, vedada a fusão de universidades com institutos politénicos [n.º 6 do artigo 13.º].
Se a racionalização da rede é tão importante e urgente, como é sistematicamente apregoado, o então Governo tem a legitimidade e os instrumentos para o fazer. Haja visão e vontade. De uma e de outra não existem sinais!
A TSF tem um pequeno extrato da intervenção do MEC (http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=2851657), em que este afirma "Este problema tem que ser enfrentado de frente, havendo uma racionalização da oferta, havendo maior fusão de instituições ou coordenação entre as instituições. (...) Nós temos sobretudo que enfrentar este problema que se passa nos politécnicos; viu-se este ano como houve tantos cursos que ficaram sem ocupação, sem alunos, e isto não se justifica; o País não pode estar a pagar isto, nem as Escolas lucram com isso."
Não se percebe se o diagnóstico (gasto e genérico) foi seguido por medidas concretas de ação, ou pelo menos, por uma ideia de futuro. Duvido que tal tenha acontecido!
Fui reler o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, e realço aqui alguns artigos, à atenção do Senhor Ministro.
Artigo 4.º, n.º 2: "Nos termos da Constituição, incumbe ao Estado a criação de uma rede de instituições de ensino superior públicas que satisfaça as necessidades do País.". As necessidades de formação superior não podem ser definidas e redefinidas ano a ano; não é esse o ciclo temporal adequado. Em termos de qualificação da população continuamos com níveis bem abaixo da maioria dos países desenvolvidos. Em termos de áreas de formação temos evidentes assimetrias. Quais as necessidades do País? E de que País?
Artigo 54.º, n.º 1: "O Estado deve promover a racionalização da rede de instituições de ensino superior públicas e da sua oferta formativa." Já lá vai quase ano e meio e nada, a não ser a repetição da palavra racionalização.
Artigo 17.º n,º2: "Os consórcios a que se refere o número anterior [entre instituições públicas de ensino superior ou entre estas e instituições públicas ou privadas de investigação e desenvolvimento, para coordenação da oferta formativa e dos recursos humanos e materiais] podem igualmente ser criados por iniciativa do Governo, por portaria do ministro da tutela, ouvidas as instituições." Aqui não se trata de fusões, mas sim de consórcios, uma forma de cooperação mais simples e mais rápida de estabelecer.
Artigo 55.º, n.º 1: "As instituições de ensino superior públicas são extintas por decreto-lei, considerados os resultados da avaliação e ouvidos os órgãos da instituição em causa, bem como os organismos representativos das instituições de ensino superior públicas e o Conselho Coordenador do Ensino Superior [desaparecido [s]em combate]."
Artigo 55.º, n.º 2: "Nos mesmos termos podem ser fundidas, integradas ou cindidas instituições de ensino superior públicas.", disposição que deverá enquadrar o processo de fusão em curso entre as universidades de Lisboa e Técnica de Lisboa. Está, no entanto, vedada a fusão de universidades com institutos politénicos [n.º 6 do artigo 13.º].
Se a racionalização da rede é tão importante e urgente, como é sistematicamente apregoado, o então Governo tem a legitimidade e os instrumentos para o fazer. Haja visão e vontade. De uma e de outra não existem sinais!
sábado, 27 de outubro de 2012
Rankings: Manusear com cuidado!
Na edição do Click de 26 de outubro, Antena 1.
(áudio em: http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c96914)
Os rankings são populares. Populares porque são simples; e porque gostamos, nem que seja por curiosidade, de saber quem é o n.º 1! Não estranha, por isso, a proliferação de rankings internacionais de universidades, e a crescente importância que vêm conquistando.
Vem isto a propósito da edição de 2012 do World University Rankings, elaborado pelo periódico britânico Times Higher Education. Da lista disponível podemos retirar mensagens simples como “as universidades portuguesas perdem terreno”; ou “Aveiro, Porto e Minho estão entre as 400 melhores”. Quem se der a um pouco mais de trabalho poderá concluir que Aveiro e Porto melhoraram em todos os indicadores; ou ainda que Portugal tem tantas universidades no top 400 como o continente africano, ou como a América do Sul.
Mas não nos fiquemos pelas leituras superficiais. Desde logo, porque nenhum ranking resulta de uma análise das 17000 universidades existentes no mundo - não há uma liga mundial das universidades. No caso do Times, por exemplo, estamos perante uma participação por convite, dirigido a pouco mais de 600 instituições previamente seleccionadas tendo em conta, designadamente, a sua produção científica.
Por outro lado, cada ranking pressupõe um determinado modelo de universidade, que é traduzido pelos parâmetros que são avaliados e pela importância conferida a cada um. Para o Times Higher Education, por exemplo, é valorizada, sobretudo, a reputação da universidade em termos de ensino e de investigação; reputação essa que é avaliada através de um inquérito dirigido exclusivamente a académicos; e que representa um 1/3 da nota final.
Este é um dos perigos destas poderosas ferramentas de comunicação – afirmar um determinado conceito de universidade como aquele que deve ser seguido. Outro perigo, não menos importante, é que induzem uma confusão entre posição e qualidade; repare-se, por exemplo, que apenas 6 pontos, em 100 possíveis, fazem este ano a diferença entre figurar no lugar 70, ou no lugar 100 – será assim tão relevante? Mas o risco maior está dentro das próprias instituições, que podem ser tentadas a orientar toda a sua estratégia de actuação para alcançar a visibilidade proporcionada pelos rankings, em detrimento da sua própria missão e dos seus valores. As universidades não são, nem devem ser, todas iguais. E para universidades diversas serão necessárias métricas distintas.
É por tudo isto que os rankings trazem uma etiqueta: Atenção! Manusear com cuidado!
(áudio em: http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c96914)
Os rankings são populares. Populares porque são simples; e porque gostamos, nem que seja por curiosidade, de saber quem é o n.º 1! Não estranha, por isso, a proliferação de rankings internacionais de universidades, e a crescente importância que vêm conquistando.
Vem isto a propósito da edição de 2012 do World University Rankings, elaborado pelo periódico britânico Times Higher Education. Da lista disponível podemos retirar mensagens simples como “as universidades portuguesas perdem terreno”; ou “Aveiro, Porto e Minho estão entre as 400 melhores”. Quem se der a um pouco mais de trabalho poderá concluir que Aveiro e Porto melhoraram em todos os indicadores; ou ainda que Portugal tem tantas universidades no top 400 como o continente africano, ou como a América do Sul.
Mas não nos fiquemos pelas leituras superficiais. Desde logo, porque nenhum ranking resulta de uma análise das 17000 universidades existentes no mundo - não há uma liga mundial das universidades. No caso do Times, por exemplo, estamos perante uma participação por convite, dirigido a pouco mais de 600 instituições previamente seleccionadas tendo em conta, designadamente, a sua produção científica.
Por outro lado, cada ranking pressupõe um determinado modelo de universidade, que é traduzido pelos parâmetros que são avaliados e pela importância conferida a cada um. Para o Times Higher Education, por exemplo, é valorizada, sobretudo, a reputação da universidade em termos de ensino e de investigação; reputação essa que é avaliada através de um inquérito dirigido exclusivamente a académicos; e que representa um 1/3 da nota final.
Este é um dos perigos destas poderosas ferramentas de comunicação – afirmar um determinado conceito de universidade como aquele que deve ser seguido. Outro perigo, não menos importante, é que induzem uma confusão entre posição e qualidade; repare-se, por exemplo, que apenas 6 pontos, em 100 possíveis, fazem este ano a diferença entre figurar no lugar 70, ou no lugar 100 – será assim tão relevante? Mas o risco maior está dentro das próprias instituições, que podem ser tentadas a orientar toda a sua estratégia de actuação para alcançar a visibilidade proporcionada pelos rankings, em detrimento da sua própria missão e dos seus valores. As universidades não são, nem devem ser, todas iguais. E para universidades diversas serão necessárias métricas distintas.
É por tudo isto que os rankings trazem uma etiqueta: Atenção! Manusear com cuidado!
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Em defesa dos bons alunos
Não gosto da analogia do "bom aluno", que se vem aplicando a Portugal. Desde logo porque na diplomacia entre Estados não existem professores e alunos. Não se trata de ensinar e de aprender. Há, sim, visões, interesses, conflitos e poderes. Mas também o próprio comportamento do dito aluno não indicia nada de bom: esforçado mas subserviente; obediente; sem voz própria; cultivando certa imagem para daí retirar benefícios. Ora este aluno parece estudar apenas para os exames trimestrais, improvisando na véspera, e reprovando em todos os exames finais. Sejamos justos para os verdadeiros bons alunos; aqueles que são curiosos, críticos, desafiadores; que trabalham e têm imaginação; capazes de propor diferentes caminhos; alunos que não jogam para o resultado, mas em que este surge como consequência natural de todo o trabalho feito.
Publicado no Jornal Público, Cartas à Diretora, em 23/10/2012
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Entre os pingos da chuva
O comunicado do Presidente do CDS, hoje divulgado, é mais uma peça bizarra do teatro político que preenche os dias. O próprio facto de existir, em lugar de Paulo Portas proferir umas simples afirmações à comunicação social é, por si só, um elemento a reter. Claro que entrevistas podem sempre implicar perguntas incómodas, ou deixar transparecer emoções e contradições. Por outro lado é de crer que cada palavra, num texto escrito nesta situação, terá o seu peso. E é preciso ver também quem será o destinatário das mensagens.
Começa por afirmar que "O CDS votará o Orçamento de Estado considerando que Portugal não pode ter uma crise política ...".O CDS votará, como não poderia deixar de ser! Mas o próprio presidente do partido não usa o termo "aprovará", que seria, sem dúvida, mais forte e inequívoco.
Depois temos uma daquelas frases, recorrentes e supostamente grandiloquentes, que os políticos gostam de usar: "Face a este quadro de referência o CDS deve colocar acima de tudo o seu dever de responsabilidade perante o País". Mas o que revela, de facto, é que apenas um quadro dramático leva a que o País venha em primeiro lugar... E se lida em conjunto com o ponto final do comunicado, "O CDS deve estar à altura das circunstâncias.", repetindo a palavra "deve" não dá como adquirida a posição, a escolha, a atitude, a capacidade do seu próprio partido.
Quem é o(s) destinatário(s). O parceiro de coligação? Os deputados-do-CDS-que-criticam-e-não aplaudem? Ou o vento que ajuda a acreditar que se pode passar entre os pingos da chuva?
Começa por afirmar que "O CDS votará o Orçamento de Estado considerando que Portugal não pode ter uma crise política ...".O CDS votará, como não poderia deixar de ser! Mas o próprio presidente do partido não usa o termo "aprovará", que seria, sem dúvida, mais forte e inequívoco.
Depois temos uma daquelas frases, recorrentes e supostamente grandiloquentes, que os políticos gostam de usar: "Face a este quadro de referência o CDS deve colocar acima de tudo o seu dever de responsabilidade perante o País". Mas o que revela, de facto, é que apenas um quadro dramático leva a que o País venha em primeiro lugar... E se lida em conjunto com o ponto final do comunicado, "O CDS deve estar à altura das circunstâncias.", repetindo a palavra "deve" não dá como adquirida a posição, a escolha, a atitude, a capacidade do seu próprio partido.
Quem é o(s) destinatário(s). O parceiro de coligação? Os deputados-do-CDS-que-criticam-e-não aplaudem? Ou o vento que ajuda a acreditar que se pode passar entre os pingos da chuva?
domingo, 14 de outubro de 2012
Autonomia reforçada (II) - O trilho semântico
Continuação da entrada de 4 de agosto, agora com uma breve cronologia da expressão em crescente voga na política do ensino superior: autonomia reforçada.
O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, aprovado em 2007, não "quantificava" a autonomia, mas apenas a "qualificava": "As instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza.".
Em relação às instituições-fundação o mesmo diploma dispõe que "As instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional dispõem de autonomia nos mesmos termos das demais instituições de ensino superior públicas, com as devidas adaptações decorrentes daquela natureza." Havia, apenas, "autonomia", e diferenças resultantes da aplicação do regime privado em alguns dos domínios.
Em abril deste ano, as universidades de Lisboa (UL) e Técnica de Lisboa (UTL), aprovaram um documento com o programa de fusão das duas instituições, introduzindo o "reforço" da autonomia: "Os princípios de uma autonomia reforçada devem abranger todas as dimensões da vida universitária (...)", "Um dos aspectos centrais desta autonomia reforçada prende-se com a Gestão da Universidade (...)"; "Temos consciência de que a obtenção desta autonomia reforçada exige, como contrapartida da Universidade, a disponibilidade para um escrutínio por parte das entidades públicas e um exame periódico da sua actividade e funcionamento."
Pouco depois, a Lei-Quadro das Fundações, aprovada em 18 de maio e publicada em julho, usa esta mesma terminologia: "Excetuam-se do disposto nos números anteriores as instituições de ensino superior públicas com autonomia reforçada a que se refere o capítulo VI do título III da Lei n.º 62/2007 [o RJIES], (...), às quais não se aplica a lei-quadro das fundações (...)". Opção curiosa pois, como referi, o RJIES não usa tal terminologia, e o capítulo VI mencionado designa-se Instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional. Portanto, em lugar de se referir que a lei-quadro das fundações não se aplica a algumas destas, o que não deixaria de soar de forma estranha, consagra-se o mesmo, mas com outro fraseado.
Em agosto, à margem da cerimónia de assinatura de um protocolo visando a fusão entre a UL e a UTL o Ministro da Educação e Ciência afirmou "o Governo proporá, em breve, no quadro da revisão do regime jurídico das instituições de ensino superior, a extinção do existente regime fundacional e a sua substituição por um regime de autonomia reforçada, que manterá e desenvolverá as principais características daquele. Terão possibilidades de aceder a este regime as instituições do ensino superior que revelem suficiente solidez e sustentabilidade académica, financeira e patrimonial. Para além das atuais fundações, Universidade do Porto, Universidade de Aveiro e ISCTE, e da Universidade do Minho que está em conversações com este governo nesse sentido, existirá, naturalmente, a nova universidade de Lisboa ". [transcrição a partir do áudio disponível no sítio da RTP].
Não será, certamente, por ter relido recentemente 1984, de George Orwell, que estarei mais atento às palavras, mas o surgimento, uso e susbstituição de termos não costuma ser inócuo, nem fruto do acaso. De documentos de duas instituições de ensino superior, a uma Lei da Assembleia, a que se segue uma intervenção pública do Ministro da tutela, que anuncia uma proposta de revisão legislativa e, muito mais do que isso, a aplicação de uma nova forma de autonomia às duas instituições já referidas, fechando assim o ciclo, mas também, e desde logo, a mais quatro instituições. Neste caso, antes da lei, ou melhor antes sequer de uma proposta, conhece-se já o resultado da sua eventual aplicação!
O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, aprovado em 2007, não "quantificava" a autonomia, mas apenas a "qualificava": "As instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza.".
Em relação às instituições-fundação o mesmo diploma dispõe que "As instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional dispõem de autonomia nos mesmos termos das demais instituições de ensino superior públicas, com as devidas adaptações decorrentes daquela natureza." Havia, apenas, "autonomia", e diferenças resultantes da aplicação do regime privado em alguns dos domínios.
Em abril deste ano, as universidades de Lisboa (UL) e Técnica de Lisboa (UTL), aprovaram um documento com o programa de fusão das duas instituições, introduzindo o "reforço" da autonomia: "Os princípios de uma autonomia reforçada devem abranger todas as dimensões da vida universitária (...)", "Um dos aspectos centrais desta autonomia reforçada prende-se com a Gestão da Universidade (...)"; "Temos consciência de que a obtenção desta autonomia reforçada exige, como contrapartida da Universidade, a disponibilidade para um escrutínio por parte das entidades públicas e um exame periódico da sua actividade e funcionamento."
Pouco depois, a Lei-Quadro das Fundações, aprovada em 18 de maio e publicada em julho, usa esta mesma terminologia: "Excetuam-se do disposto nos números anteriores as instituições de ensino superior públicas com autonomia reforçada a que se refere o capítulo VI do título III da Lei n.º 62/2007 [o RJIES], (...), às quais não se aplica a lei-quadro das fundações (...)". Opção curiosa pois, como referi, o RJIES não usa tal terminologia, e o capítulo VI mencionado designa-se Instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional. Portanto, em lugar de se referir que a lei-quadro das fundações não se aplica a algumas destas, o que não deixaria de soar de forma estranha, consagra-se o mesmo, mas com outro fraseado.
Em agosto, à margem da cerimónia de assinatura de um protocolo visando a fusão entre a UL e a UTL o Ministro da Educação e Ciência afirmou "o Governo proporá, em breve, no quadro da revisão do regime jurídico das instituições de ensino superior, a extinção do existente regime fundacional e a sua substituição por um regime de autonomia reforçada, que manterá e desenvolverá as principais características daquele. Terão possibilidades de aceder a este regime as instituições do ensino superior que revelem suficiente solidez e sustentabilidade académica, financeira e patrimonial. Para além das atuais fundações, Universidade do Porto, Universidade de Aveiro e ISCTE, e da Universidade do Minho que está em conversações com este governo nesse sentido, existirá, naturalmente, a nova universidade de Lisboa ". [transcrição a partir do áudio disponível no sítio da RTP].
Não será, certamente, por ter relido recentemente 1984, de George Orwell, que estarei mais atento às palavras, mas o surgimento, uso e susbstituição de termos não costuma ser inócuo, nem fruto do acaso. De documentos de duas instituições de ensino superior, a uma Lei da Assembleia, a que se segue uma intervenção pública do Ministro da tutela, que anuncia uma proposta de revisão legislativa e, muito mais do que isso, a aplicação de uma nova forma de autonomia às duas instituições já referidas, fechando assim o ciclo, mas também, e desde logo, a mais quatro instituições. Neste caso, antes da lei, ou melhor antes sequer de uma proposta, conhece-se já o resultado da sua eventual aplicação!
sábado, 6 de outubro de 2012
Progresso
Science and technology were developing at a prodigious speed, and it seemed natural to assume that they would go on developing. This failed to happen , partly because of the impoverishment caused by a long series of wars and revolutions, partly because scientific and technical progress depended on the empirical habit of thought, which could not survive in a strictly regimented society.
George Orwell, 1984.
George Orwell, 1984.
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Disse "opções" ?
Deu hoje entrada, na Assembleia da República, o documento governamental com a proposta das Grandes Opções do Plano para 2013. Mais um documento pobre, em matéria de ensino superior.
No espaço de uma página apresenta-se um diagnóstico vago (A rede de instituições apresenta-se heterogénea e desequilibrada, coexistindo situações de elevada qualidade com casos problemáticos nos planos pedagógico, científico e de sustentabilidade) e enunciam-se três objetivos estratégicos, acompanhados com exemplos de ações desencadeadas em 2012!
Vamos aos objetivos.
1) Melhorar a qualidade de ensino superior em Portugal. Melhorar é sempre bom, e consensual. Sobre o como, nada é dito. Afirma-se, somente, que o Regime Jurídico das Instiuições de Ensino Superior está em revisão; no segredo dos gabinetes, presume-se, já que nada foi dito, pelo menos publicamente, sobre os problemas do regime atual ou o sentido da mudança. Afirma-se ainda que a Agência responsável pela avaliação e acreditação está, ela própria, a ser avaliada. Sobre os "casos problemáticos", casos presume-se que identificados, nada. São muitos? Dramáticos? Os problemas de sustentabilidade, científicos ou pedagógicos serão resolvidos por artes de novas leis? As existentes não permitem atuar?
2) Racionalizar a rede de instituições (ainda e sempre presente nos discursos e nos papéis). Pistas? Nada. Identificação do que é irracional? Zero. Ponto seguinte: melhorar o ajustamento da oferta formativa às necessidades do País, remetendo para as regras já utilizadas este ano para fixar as vagas dos ciclos de licenciatura e mestrado integrado. Sobre as "necessidades do País", em termos de formação superior, fica o silêncio. Serão definidas pela procura pelos estudantes (candidaturas) e pelo emprego (ou inscritos em centros de emprego) numa economia em recessão? É provável. E provavelmente desadequado.
3) Melhorar as políticas de apoio social, referindo-se que foi já revisto o Regulamento de Bolsas e mantido o sistemas de empréstimos. Pelos vistos nada há a fazer para 2013. Já está feito.
Já devo ter usado mais carateres que o Governo. Objetivos: melhorar, melhorar e melhorar. Opções: inexistentes. Estratégia: palavra de sentido demasiado complexo.
Termino com a referência do Conselho Económico Social sobre esta matéria, no seu parecer sobre as Grandes Opções: "Para além da proteção social direta, a responsabilidade social do Estado envolve ainda a educação e saúde. Da leitura das GOP não se infere claramente uma estratégia para estes dois sectores.".
No espaço de uma página apresenta-se um diagnóstico vago (A rede de instituições apresenta-se heterogénea e desequilibrada, coexistindo situações de elevada qualidade com casos problemáticos nos planos pedagógico, científico e de sustentabilidade) e enunciam-se três objetivos estratégicos, acompanhados com exemplos de ações desencadeadas em 2012!
Vamos aos objetivos.
1) Melhorar a qualidade de ensino superior em Portugal. Melhorar é sempre bom, e consensual. Sobre o como, nada é dito. Afirma-se, somente, que o Regime Jurídico das Instiuições de Ensino Superior está em revisão; no segredo dos gabinetes, presume-se, já que nada foi dito, pelo menos publicamente, sobre os problemas do regime atual ou o sentido da mudança. Afirma-se ainda que a Agência responsável pela avaliação e acreditação está, ela própria, a ser avaliada. Sobre os "casos problemáticos", casos presume-se que identificados, nada. São muitos? Dramáticos? Os problemas de sustentabilidade, científicos ou pedagógicos serão resolvidos por artes de novas leis? As existentes não permitem atuar?
2) Racionalizar a rede de instituições (ainda e sempre presente nos discursos e nos papéis). Pistas? Nada. Identificação do que é irracional? Zero. Ponto seguinte: melhorar o ajustamento da oferta formativa às necessidades do País, remetendo para as regras já utilizadas este ano para fixar as vagas dos ciclos de licenciatura e mestrado integrado. Sobre as "necessidades do País", em termos de formação superior, fica o silêncio. Serão definidas pela procura pelos estudantes (candidaturas) e pelo emprego (ou inscritos em centros de emprego) numa economia em recessão? É provável. E provavelmente desadequado.
3) Melhorar as políticas de apoio social, referindo-se que foi já revisto o Regulamento de Bolsas e mantido o sistemas de empréstimos. Pelos vistos nada há a fazer para 2013. Já está feito.
Já devo ter usado mais carateres que o Governo. Objetivos: melhorar, melhorar e melhorar. Opções: inexistentes. Estratégia: palavra de sentido demasiado complexo.
Termino com a referência do Conselho Económico Social sobre esta matéria, no seu parecer sobre as Grandes Opções: "Para além da proteção social direta, a responsabilidade social do Estado envolve ainda a educação e saúde. Da leitura das GOP não se infere claramente uma estratégia para estes dois sectores.".
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