Continuação da entrada de 4 de agosto, agora com uma breve cronologia da expressão em crescente voga na política do ensino superior: autonomia reforçada.
O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, aprovado em 2007, não "quantificava" a autonomia, mas apenas a "qualificava": "As instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza.".
Em relação às instituições-fundação o mesmo diploma dispõe que "As instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional dispõem de autonomia nos mesmos termos das demais instituições de ensino superior públicas, com as devidas adaptações decorrentes daquela natureza." Havia, apenas, "autonomia", e diferenças resultantes da aplicação do regime privado em alguns dos domínios.
Em abril deste ano, as universidades de Lisboa (UL) e Técnica de Lisboa (UTL), aprovaram um documento com o programa de fusão das duas instituições, introduzindo o "reforço" da autonomia: "Os princípios de uma autonomia reforçada devem abranger todas as dimensões da vida universitária (...)", "Um dos aspectos centrais desta autonomia reforçada prende-se com a Gestão da Universidade (...)"; "Temos consciência de que a obtenção desta autonomia reforçada exige, como contrapartida da Universidade, a disponibilidade para um escrutínio por parte das entidades públicas e um exame periódico da sua actividade e funcionamento."
Pouco depois, a Lei-Quadro das Fundações, aprovada em 18 de maio e publicada em julho, usa esta mesma terminologia: "Excetuam-se do disposto nos números anteriores as instituições de ensino superior públicas com autonomia reforçada a que se refere o capítulo VI do título III da Lei n.º 62/2007 [o RJIES], (...), às quais não se aplica a lei-quadro das fundações (...)". Opção curiosa pois, como referi, o RJIES não usa tal terminologia, e o capítulo VI mencionado designa-se Instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional. Portanto, em lugar de se referir que a lei-quadro das fundações não se aplica a algumas destas, o que não deixaria de soar de forma estranha, consagra-se o mesmo, mas com outro fraseado.
Em agosto, à margem da cerimónia de assinatura de um protocolo visando a fusão entre a UL e a UTL o Ministro da Educação e Ciência afirmou "o Governo proporá, em breve, no quadro da revisão do regime jurídico das instituições de ensino superior, a extinção do existente regime fundacional e a sua substituição por um regime de autonomia reforçada, que manterá e desenvolverá as principais características daquele. Terão possibilidades de aceder a este regime as instituições do ensino superior que revelem suficiente solidez e sustentabilidade académica, financeira e patrimonial. Para além das atuais fundações, Universidade do Porto, Universidade de Aveiro e ISCTE, e da Universidade do Minho que está em conversações com este governo nesse sentido, existirá, naturalmente, a nova universidade de Lisboa ". [transcrição a partir do áudio disponível no sítio da RTP].
Não será, certamente, por ter relido recentemente 1984, de George Orwell, que estarei mais atento às palavras, mas o surgimento, uso e susbstituição de termos não costuma ser inócuo, nem fruto do acaso. De documentos de duas instituições de ensino superior, a uma Lei da Assembleia, a que se segue uma intervenção pública do Ministro da tutela, que anuncia uma proposta de revisão legislativa e, muito mais do que isso, a aplicação de uma nova forma de autonomia às duas instituições já referidas, fechando assim o ciclo, mas também, e desde logo, a mais quatro instituições. Neste caso, antes da lei, ou melhor antes sequer de uma proposta, conhece-se já o resultado da sua eventual aplicação!
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