À moda de uns célebres gauleses a vida política portuguesa desenrola-se, sobretudo, na aldeia que habitam: isolados por paliçadas do resto do mundo; entretidos em lutas entre ferreiros e peixeiros; não com um, mas com vários bardos, uns mais difíceis de silenciar do que outros; e, ocasionalmente, com sumptuosos banquetes. A Europa fica distante, como Roma ficava distante, mesmo que, do lado de fora, estejam os exércitos, vigiando e temendo estes estranhos bárbaros.
As eleições dos emissários não eram, afinal, para as cortes da Europa, mas apenas para português ver. Para Segurix foram um ensaio para os Jogos de 2015. Pareceu estar apurado, pelos mínimos, até que Antonius derrubou um dos carregadores do escudo do chefe, e este tremeu. O próprio diz agora que, num notável avanço democrático, a escolha do candidato para os Jogos será feita como nunca antes, com a participação dos membros de várias tribos. E que nunca se viu um líder que ganha ser contestado, esquecendo-se que em votações anteriores Antonius deu votos à tribo em Olissipo, e que, colocando assim a questão, a vitória não foi afinal do partido, de que ambos e muitos outros fazem parte, mas, pelos vistos, apenas de Segurix e da sua poção mágica. A Europa não existe.
Passus e Portus (não o dos mosqueteiros, que esse andava com outras companhias) perderam e por muito. A biga que comanda os destinos da aldeia com apoio da troika que é, mais ou menos, como uma quadriga com menos um cavalo, agradece o desvio das atenções, evitando assim uma nova cena de revogação de atos irrevogáveis. Apelando às artes ocultas vão mudando a realidade: é preciso fazer mais do que a troika exige; as negociações são difíceis; não fomos nós que negociámos o acordo; fizemos o que devíamos independentemente das imposições; estamos a recuperar a independência; fizemos muitas reformas ou, pelo menos, vários guiões. Mas eis que os Tribunus Maximus decretam que assim não pode ser. Então soltam o bardo Marcus Antonius que ignora as promessas proferidas por todos de cumprir a constituição, aquelas tábuas escritas que são uma chatice mas que, como são de pedra, precisam de uma grande maioria para alterar; e que vocifera contra o cronos da decisão, agora que a troika está quase a ir (afinal ainda não foi?) e se pode arrepender; o que diria se a decisão dos Tribunus não tivesse demorado cinco meses mas apenas três, e fosse tomada em plena avaliação, e tivesse o efeito devido, retroativo? A Europa não existe.
Jeronimus (não o índio) ficou contente. Envia três membros da tribo para a Europa. Mas, como a Europa não existe, o que é preciso é Julius Cavacus apear Passus e Portus, que foi o que os portugueses quiseram dizer. O que vale é que ele, como tantos outros, interpreta bem o que os portugueses quiseram dizer.
Marinhus é uma nova personagem nesta edição revista e aumentada da série sobre os gauleses. Mas, como a Europa não existe, não há nada como tentar trocar o lugar agora conquistado por um que permita intervir na aldeia, numa próxima ida às urnas.
Catarinix perdeu. Nestas ocasiões a matemática dá sempre jeito, bem como umas contas entre direita e esquerda, entre passado e presente, para que, assim, não perca sozinha, apesar de não gostar de dizer que perdeu como Passus e Portus perderam.
A Europa não existe para os irredutíveis políticos. As mudanças em curso na Europa não existem para os irredutíveis políticos. Mesmo que sejam os godos, de este ou de oeste, os visigodos, ostrogodos ou normandos a ditar regras. Mesmo que seja de lá que vêm muitos sestércios, ou marcos ou euros. Mesmo que a Europa não seja, no mundo, o que já foi.
E os irredutíveis políticos não perceberam o que os portugueses, indo ou não votar, quiseram dizer. Continuam nas Guerras dos Chefes, dentro e fora das tribos.
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