
Contributo submetido à Assembleia da República no âmbito da consulta pública da Proposta de Lei n.º 30/XVII/1.ª, apresentada pelo Governo, que altera, entre outros, o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior.
Da Eleição do Reitor
29. Como já referido, e em "prol da representatividade", a Proposta propõe, no Artigo 86.º, um modelo de eleição do Reitor por plebiscito ponderado a efetuar no seio da respetiva comunidade.
30. A Proposta abandona, assim, o modelo executivo de eleição por um Conselho Geral reduzido e com participação de membros externos, e o paralelismo, feito à data da Lei ainda em vigor, entre modelos de gestão empresarial e de instituições de ensino superior.
31. A Proposta não retoma a eleição do Reitor por uma Assembleia alargada, como a consagrada na Lei da Autonomia de 1988, nem por qualquer outro órgão, já existente ou a criar, e também não prevê a participação de entidades ou personalidades externas neste processo, como uma representação de partes da sociedade interessadas na instituição.
32. É sobejamente reconhecido e documentado que o modelo atual de eleição do Reitor pelo Conselho Geral conduziu e continua a conduzir, em muitas instituições, à instrumentalização e ao enfraquecimento dos Conselhos Gerais por candidatos a Reitor, sempre que, eles próprios, dinamizam listas para esse órgão, com o intuito de assegurar a sua eleição.
33. Esta situação não ocorre porque o quadro legal a isso obrigue, mas porque os principais atores deliberadamente o procuram, e as respetivas comunidades, quanto mais não seja por omissão, o permitem.
34. Não estranha, assim, que o processo de eleição do Reitor seja um tema permanente de debate e, consequentemente, que a Proposta vise a sua alteração.
35. De acordo com a Proposta, a eleição do Reitor é efetuada pelos docentes e investigadores de carreira da instituição, pelos estudantes, pelo pessoal técnico, especialista e de gestão e pelos antigos estudantes com direito a voto.
36. Esta enumeração encerra diversos cambiantes, como o facto de, no caso dos docentes e investigadores, apenas se considerarem os de carreira; no caso dos estudantes ou do restante do pessoal, parece não haver qualquer restrição; e, no caso dos antigos estudantes, o direito a voto estar sujeito a diversas condicionantes.
37. Como já referido na secção sobre a Comunidade, discorda-se da inclusão dos antigos estudantes no processo de eleição do Reitor.
38. Sem conceder, neste aspeto de princípio, a Proposta apresenta profundas incoerências, aspetos de difícil justificação e problemas de operacionalização.
39. Assim, nos termos da Proposta, têm direito de voto “os antigos estudantes que tenham obtido, há mais de cinco anos, pelo menos um grau académico nessa instituição de ensino superior e que nela não estejam matriculados e inscritos nem detenham relação contratual com a mesma.”
40. Daqui resulta que, afinal, o direito de voto não será detido pelos antigos estudantes, no seu todo, como induz a Exposição de Motivos, mas apenas por alguns e, por conseguinte, usando os termos da mesma exposição, uns farão parte da comunidade, outros não.
41. Em primeiro lugar, o eventual direito de voto está condicionado aos cursos que frequentaram, sendo concedido apenas a estudantes que frequentaram cursos conferentes de grau académico.
42. Em segundo lugar, o direito de voto está condicionado a uma condição de sucesso, requerendo a obtenção do grau académico, e não apenas a frequência de um curso conferente de grau, independentemente da duração da relação com a instituição.
43. Em terceiro lugar, o direito de voto está limitado por um período de nojo arbitrário, sendo concedido apenas cinco anos após a obtenção do grau, exigindo, afinal, um afastamento da comunidade para que seja reconhecido como membro eleitor nessa mesma comunidade!
44. Numa quarta nota, ao invés do que sucede com os restantes corpos, os antigos estudantes que tenham direito de voto, têm-no vitaliciamente, tendo por conseguinte maior direito de participação na vida institucional, ainda que só tenham tido uma relação de dois anos para a obtenção do grau de mestre, do que qualquer trabalhador da instituição, até dos que nela trabalham durante décadas.
45. Vejam-se alguns exemplos propiciados pela redação da Proposta.
46. Como referido, um estudante que obteve o grau de mestre ao fim de dois anos, pode votar vitaliciamente na eleição para Reitor, exceto nos primeiros cinco anos após a obtenção do grau.
47. Um estudante que frequentou uma universidade por quatro anos, mas abandonou os estudos e foi trabalhar, não pode votar.
48. Um estudante com licenciatura por uma universidade, mestrado por outra e doutoramento por uma terceira poderá participar nos atos eleitorais em três situações distintas.
49. Situação semelhante, imagino, para um estudante que tenha obtido um grau conjunto, concedido por várias instituições.
50. Licenciei-me em 1987. Supondo que nunca mais tivesse tido qualquer relação com a instituição onde obtive o grau, ainda assim teria direito a votar, hoje e para o resto da minha vida.
51. Tudo isto parece desprovido de sentido, e fica por sustentar a razão de fundo que sustenta tal proposta.
52. Poderia ainda adicionar um outro nível de complexidade, a organização de um processo eleitoral que, em várias instituições abrangerá certamente centenas de milhares de estudantes, desde o próximo de localização e recenseamento de todos os antigos estudantes, bem como da organização de todos os passos do processo eleitoral que garantam uma efetiva participação e votação, a partir de qualquer ponto do globo.
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