terça-feira, 3 de março de 2020

Doze Anos, Doze Dias - 2008

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As Notas nasceram há 12 anos, a 8 de março de 2008, com o nome completo de Notas da superfície e de mais além. Um espaço para registo e partilha de apontamentos, reflexões, análises, sínteses, devaneios. Escritas ao sabor dos humores, sem frequência definida. Por reação, por antecipação, por inquietação, por convicção.  Começando muitas vezes na espuma dos dias, mas logo procurando mergulhar nas profundezas que conferem mais sentido. Sobre ensino superior e ciência, política e comunicação, frases ouvidas, frases feitas, leituras. Agora quase a atingir as cinco centenas. Pedaços de mim.

Doze anos. Pouco tempo.

Para assinalar esta dúzia, outras tantas entradas, espalhadas simbolicamente ao longo de doze dias. Cada uma escrita num ano diferente. Julguei que a escolha seria relativamente fácil, mas não foi. Não tanto pelo número de opções, que oscilam entre as poucas e as muitas dezenas, dependendo do ano. Mas, sobretudo, pelos instantes associados a cada uma destas notas, que na sua maioria continuam bem vivos e ainda presentes.

Doze anos. Muito tempo.

Escritas que parecem pedir um regresso à superfície, neste mundo digital em que a informação de cada dia logo soterra a de dias anteriores, quanto mais a de anos passados. E, no entanto, muitas permanecem atuais na sua essência, indiferentes às camadas sucessivas e ao passar do tempo. Já outras parecem ter-se escrito sozinhas, ou por outras mãos. Umas quantas encontram-se mais amarradas ao seu contexto, com data e hora marcada.

Doze anos. Doze dias

Dias para revisitar diferentes temas, com perspetivas diversas, e texturas variadas. Uma pequena amostra. A grande maioria das notas, essa, continua lá, continua cá,  publicada, à espera de quem as procure, saindo do agora e do já.




Dia um. Comecemos pela política. Eleições. Programas. Partidos. Campanhas. Representados. Um tema recorrente nas Notas, por entre o ruído irritante dos momentos eleitorais e a comparativa acalmia fora deles. Como aqui em 2008, com os holofotes apontados aos nossos efémeros representantes.

Os eleitos
14 de março de 2008

Não se trata de uma referência ao filme do mesmo nome (The right stuff, no original), realizado por Philip Kaufman, e que tem por base a aventura espacial americana, nem, por associação, de um texto sobre as eleições nos EUA. Trata-se sim de uma referência directa aos que, entre nós, obtêm um mandato, através do voto, e ao que se sucede depois no mundo da política real.

Passaram pouco mais de três anos sobre as últimas eleições legislativas. A antecedê-las tivemos o habitual circo político-mediático: as lutas internas pela distribuição de lugares; a definição estratégica dos “cabeças de lista” pelos vários círculos eleitorais com o objectivo de atrair mais uns votos, recompensar fidelidades e assegurar posições; os vagos programas; os slogans; e o disparate da campanha propriamente dita, quase esgotada depois do estranho conceito de “pré-campanha” que é uma campanha-mas-sem-o-ser-porque-ainda-não-o-pode-ser, assim à moda das baixas de preços e dos saldos.

E afinal, quem elegemos nós para trabalhar na Assembleia da República (AR), para debater políticas, para fiscalizar o governo, para legislar, para tomar um sem número de decisões que a todos importam e afectam? Eis o que resulta de uma comparação entre os resultados das eleições legislativas [1] e a actual composição das bancadas parlamentares [2]:
  • mais de 60 dos 230 eleitos já não se encontram na AR, ou seja, aproximadamente 1 em cada 4 (!) não cumpre o mandato para que foi eleito;
  • ainda pior, um terço (!!) dos cabeças de lista eleitos, os tais que protagonizam campanhas em que prometem defender intransigentemente os interesses dos seus eleitores, não estão na AR;
  • é mesmo possível encontrar um círculo em que nenhum dos eleitos se encontra em funções na AR, como é o caso de Castelo Branco.
Dirão que alguns exercem funções governativas ou outros cargos públicos de relevo. É verdade. Mas tal não é mais do que um sinal de quão reduzida é a esfera do poder político-partidário. Uma outra nota no mesmo sentido:
  • cerca de 30% dos deputados portugueses eleitos para o Parlamento Europeu, em 2004 [3], tinham já sido eleitos deputados para a AR em 2002 [4] onde, por conseguinte, não concluíram o mandato.
Este é um retrato de políticos em trânsito, a que poderemos juntar ainda um primeiro-ministro, Durão Barroso, que deixou a política de um pequeno canto da Europa pelo centro da política europeia.

Da próxima vez que vos pedirem o voto (e é que é já a seguir...) exijam uma cláusula de indemnização, a accionar em caso de denúncia unilateral do contrato!

Fontes consultadas:
[1] Comissão Nacional de Eleições, Relação dos deputados eleitos e mapa oficial das eleições para a Assembleia da República realizadas em 20 de Fevereiro de 2005.
[2] Lista de deputados por círculo eleitoral, disponível em
www.parlamento.pt, consultada a 13/03/2008.
[3] Comissão Nacional de Eleições, Mapa oficial n.º 1/2004 – Eleições para o Parlamento Europeu realizadas em 13 de Junho de 2004.
[4] Comissão Nacional de Eleições, Relação dos deputados eleitos das eleições para a Assembleia da República realizadas em 17 de Março de 2002.
Os documentos da Comissão Nacional de Eleições estão disponíveis em
www.cne.pt.

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