Declaração de interesses: faço parte do grupo de trabalhadores que ficarão sem dois meses de remuneração nos próximos anos.
O Governo optou por penalizar, de forma profunda, os trabalhadores em funções públicas. Não sei se por motivação ideológica, se por medida financeira de recurso, se por passo calculado contras o que grotescamente se apelida de "gorduras". Fê-lo arrepiando caminho em relação a declarações do então candidato a Primeiro-Ministro, há poucos meses, sobre a impossibilidade de exigir mais sacrifícios aos portugeses, em plena consonância com o Presidente da República; ou mesmo contra o que afirmou, já em funções, sobre a irrepetibilidade do imposto que afetará o subsídio de Natal de 2011.
Devia, por isso, ter-se explicado!
Ouvi, hoje, o Primeiro-Ministro justificar tal penalização seletiva com dois argumentos: 1) os trabalhadores em funções públicas ganham mais 10 a 15% do que os que trabalham no setor privado; 2) esta medida tem efeito na despesa pública e, portanto, no défice público, ao contrário do que aconteceria com reduções salariais no setor privado.
O primeiro argumento é tudo menos claro. De que média se está aqui a falar: inclui todos os trabalhadores, apenas compara os que têm formação similar, os que estão na mesma área de atividade, os que têm o mesmo nível de responsabilidades? É que o critério de aplicação da medida tem apenas a ver com o salário... Li, no jornal Público, que estudos existentes indicarão que tal diferença será mais notória nos níveis salariais mais baixos, mas são esses que, justamente, ou não serão afetados ou sê-lo-ão em menor proporção. Há um livro cujo título fixei com muita facilidade, apesar de não o ter lido, pois parece ter muitos seguidores: How to lie with statistics. Quem preferir Maquiavel às matemáticas poderá vislumbrar aqui a passagem de uma mensagem, que virá a ser repetida alargando uma fratura entre trabalhadores públicos e privados, destinada a enfraquecer uma eventual contestação dos primeiros: a de que são os privilegiados que protestam.
O segundo parece indiciar outras verdades escondidas. Trata-se, com efeito de um corte na despesa pública. Mas, sendo esta uma medida temporária, que vigorará até ao final do período acordado com a troika, conduzirá a um novo aumento da despesa. A menos que não seja temporária ... ou que, entretanto, se verifique a saída de suficientes trabalhadores da administração pública, permitindo assim acomodar o pagamento dos 13º e 14º meses. Verdades, meias-verdades, desconhecimento ou logro?
Ouvi, ainda, o Primeiro-Ministro dizer que temos de cumprir o acordado com a troika. De acordo, honrem-se os compromissos. Mas, uma vez mais, diga-se a verdade quando se pretende ir mais longe daquilo que foi acordado. Será porque não se tem confiança na capacidade de execução e se pretende criar uma "folga"? Será porque se tem medo de que apareçam mais esqueletos em armários ainda por abrir? Será porque há mais verdades por contar? Será porque facilita outras agendas?
Sem respostas claras será difícil gerar a confiança e a mobilização que é precisa para mudar de rumo. É que os compromissos existentes não são apenas com a troika: são também entre o Estado e os cidadãos!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário