Não sou filiado em nenhum partido e já votei em diferentes forças partidárias. Não tenho ainda definido o meu sentido de voto para o ciclo eleitoral de 2009. Provavelmente, por isso, li, pela primeira vez, uma moção de estratégia partidária – a que Manuela Ferreira Leite recentemente apresentou. Admito que não domino a lógica de funcionamento dos partidos e confesso que, de um modo geral, o que vejo não tende a aproximar-me dos partidos. Tinha, no entanto, algumas expectativas quanto ao conteúdo do documento. Após a leitura, e considerando que se refere ao partido que se pretende constituir como “a” alternativa ao actual Governo, achei francamente pobre: projecto alternativo não clarificado; ideias demasiado generalistas; discurso sobre um partido dito diferente, em paralelo com críticas de fundo ao seu percurso recente; mistura confusa entre mensagens para consumo interno e mensagens para o exterior do partido. Isto para além de questões de forma e pormenor.
O parágrafo introdutório do documento esclarece, respondendo a alguns, que uma moção não é um programa eleitoral. Não se esperem pois medidas concretas, mas sim a linha geral de actuação política do partido, dirigida, naturalmente, aos militantes do partido. Percebe-se e fica o registo para enquadrar a restante apreciação. Vamos por partes. Eis o que retive.
As
críticas à actuação do Governo. Constam de um primeiro bloco de oito páginas (25% do texto), e de diversas outras referências ao longo da moção. Estando o País ciente da actual situação, e não existindo certamente nos congressistas uma afinidade com o Governo, qual o propósito desta longa introdução? Gerar um sentimento de união entre as hostes: o “inimigo” é externo e é altura de ultrapassar as divisões internas. Partilhar uma sensação de urgência, com base na gravidade da situação, e assim fazer acreditar na possibilidade real de vitória, factor que contribui para a mobilização. É também uma mensagem com eco na comunicação social e, como tal, com visibilidade acrescida fora do partido. No fundo trata-se de preparar o palco. Uma farpa adicional ao PS - “
Os socialistas não souberam ou não quiseram seguir pelo caminho acertado”. Pelos vistos não será apenas uma questão de competência, mas de intencionalidade!
O PSD como
única força alternativa ao PS, para o exercício do Governo. Tem sido assim, e assim será, provavelmente, a curto e médio prazo. O que não invalida, a prazo, a emergência de outras soluções. Líderes sobem e descem, e por vezes arrastam os partidos. Esta afirmação parece dirigir-se sobretudo ao eleitorado: só há duas escolhas, “eles”, os responsáveis pela crise, e “nós” que temos a solução. Tal é reforçado com a afirmação de que os períodos de governo conduzidos pelo PSD foram os de maior desenvolvimento do país. Algo que os eleitores não devem ter percebido quando escolhem outro partido. Esta tese parece também, e desde já, servir uma estratégia de apelo ao voto útil, dirigida aos descontentes. Uma maior divisão de votos pode conduzir a alianças ou a governos minoritários, sendo sempre de gestão política mais delicada. Assim, é preferível reduzir a escolha a dois candidatos: ou votam em "nós" ou "eles" continuam no governo.
O
PSD-recente como
partido em perda: no texto da moção o PSD é caracterizado como um partido que perdeu credibilidade, não é escutado pelo Governo nem pelo País, virou-se para dentro, discutiu pessoas e não ideias, e mudou frequentemente de líderes. Como é referido é um partido que “
precisa de mudar o modo de agir politicamente”. Ficam, entre linhas, as críticas aos anteriores líderes e estruturas partidárias, mas que deveriam ser extensivas aos restantes militantes, aqueles que aprovam as políticas e escolhem as lideranças.
O PSD como
partido diferente. É patente a dificuldade em conciliar, no mesmo discurso, os vários PSD que têm existido e que motivaram a candidatura de Manuela Ferreira Leite. Afirma-se que o PSD tem uma “
diversa atitude face à política”. Mas qual PSD? O que, perdeu credibilidade e se virou para dentro? O que necessita de mudar a forma de agir politicamente? O PSD das bases? Os PSD de Luís Filipe Menezes, Santana Lopes, Pedro Passos Coelho? Ou o PSD da nova líder? Os militantes são, em qualquer dos casos, os mesmos. Alguém deu pela atitude diversa?
“
Um segundo aspecto em que temos de nos diferenciar do PS respeita ao valor da verdade na acção política.” Pelos vistos ainda não é diferente, “tem” de ser diferente… E, na mesma linha, defender “
uma cultura política assente em valores fundamentais como a exigência, o rigor, a responsabilidade, o mérito, o respeito pela autoridade legítima.” Afirma-se também que o PS tenta "
ocupar o espacço político que sempre foi, e que continua a ser, o do PSD." Se estamos a falar de acção política leia-se, estão a fazer políticas que gostaríamos de ser nós a fazer, ainda que por "
necessidade e não por uma qualquer convicção." O
modelo de desenvolvimento alternativo: a parte que considero mais frágil de um documento que se pretende estratégico.
“
Falta uma ideia para Portugal” – Não encontrei nenhuma proposta.
“
Nada, absolutamente nada, justifica que o País não tenha um presente e um futuro à altura da glória do seu passado” – soundbite para comício, aplausos, bandeirinhas agitadas e os gritos de Portugal-Portugal. A menos que, em lugar de consultores de imagem se contratem agora os autores de "O Segredo". Mesmo não sabendo de que era da nossa história se está a falar, é evidente que existiram factores que justificaram a dita glória passada e o seu desvanecimento. Há factores que ditam o nosso presente. Há factores que condicionam os caminhos que podem ser trilhados no futuro. Factores intrínsecos que incluem a capacidade de actuação política, a capacidade de gerar lideranças, o dinamismo da sociedade e o nível de competências individuais. Factores extrínsecos como a actuação dos parceiros e competidores nesta aldeia global. Não sei se escaparemos à "
irrelevância internacional", mas não vejo que a evocação de grandezas históricas resolva alguma coisa e seja um elemento mobilizador.
Tarefas prioritárias para o Estado, para além das funções de soberania: “promoção da igualdade de oportunidades, a defesa dos mais fracos e vulneráveis, e o incentivo à criação da riqueza.” Parece consensual, não que isso seja um defeito.
O estado de “emergência social” impõe a necessidade de “adoptar medidas imediatas”. – Quais são? Nada mais é dito, o que é tanto mais preocupante quando o carácter é de urgência. Um dos aspectos mais concretos é a referência às desigualdades existentes entre o interior e o litoral. Aqui, querendo-se intervir a sério, não bastará assegurar o acesso a serviços básicos em condições similares.
“É necessário apresentar um modelo alternativo de desenvolvimento. Tarefa que a nós próprios devemos impor.” – Ficamos a saber que temos de esperar, e que o PSD, partido que não nasceu agora, já foi governo e tem sido oposição, ainda vai definir o tal projecto.
“Há momentos e, sobretudo, domínios e momentos em que os consensos alargados são desejáveis” - importa-se de especificar? É que a constante mudança de políticas e projectos entre governos, de cor diferente e até da mesma cor não tem ajudado.
A actuação futura.
“A acção política do PSD deve ser conduzida pela estrita prossecução e defesa do interesse nacional.” - recado interno para as lutas eleitorais que se avizinham e que comprova que afinal o PSD não é assim tão diferente da ideia que muita gente tem dos partidos.
“… garantir que o modo de selecção dos candidatos [às eleições autárquicas] se faça …. no respeito integral pelas disposições estatutárias.” – idem.
“Uma oposição firme, determinada e séria.” - Mais críticas internas, entre linhas, às anteriores direcções, e um aviso ao PS – agora é a sério. Os eleitores verão e julgarão.
“A necessidade de uma liderança credível e de um projecto alternativo coerente.” – aguardemos então pelo projecto.
“Devemos apresentar-nos ao eleitorado com um projecto político próprio e diferenciado dos demais.” - Sim, é conveniente!
“O nosso objectivo eleitoral é claro: Vencer.” – Pois, até aí já tinha chegado.
Não estando o projecto feito fica por saber se o papel de oposição séria, designadamente na Assembleia da República, se vai confinar à reacção, avulsa, às propostas do Governo, e a preparar caminho para os actos eleitorais, abdicando do papel de propor verdadeiras alternativas que sejam também válidas à luz de um novo modelo.
A terminar
Seria interessante colocar as seguintes questões à líder do PSD, em termo de grandes linhas de orientação e medidas em curso:
- Que medidas adoptadas pelo Governo subscreve e tenciona manter?
- Com que medidas discorda mas para as quais o custo de as reverter seria demasiado grande?
- Que medidas revogar?
Fica a sugestão para os senhores jornalistas. Respostas a visionar em futuras edições dos programas “Toda a Verdade” e “Descubra as diferenças”.
P.S. I (sem conotações) - A entrevista a Morais Sarmento na SIC Notícias reforça as impressões que aqui deixei. Respostas previsíveis de quem nada de concreto tinha para dizer.
P.S. II - O artigo de Pacheco Pereira no Público sugere que esta nova liderança tem mudado as agulhas, no partido e no discurso político, e é oposto ao frenesim de outros. Eu também não sou adepto do frenesim, mas o que ouvi até agora lembra-me o título de um remix que passa nos canais de música - "Destination unknown".