
Já por aqui passaram programas partidários, em especial em tempos de eleições legislativas. Desta vez, o olhar é sobre outras eleições e outros programas, tenho como objeto o Conselho Geral da Universidade pública onde trabalho.
Na qualidade de não docente e não investigador a tempo parcial, apenas posso participar, enquanto eleitor, na eleição do único não docente e não investigador desse órgão de governo. No entanto, entendo que o Conselho Geral é, ou deveria ser, mais do que a mera de soma de grupos com diferente vínculo à instituição. E entendo que não há, ou não deveria haver nesse órgão, assuntos do interesse de apenas um dos grupos segregados para efeitos eleitorais (membros docentes e investigadores, não docentes e não investigadores, estudantes).
Deste modo, o olhar que se segue abrange os programas de candidatura disponíveis na página do Conselho Geral e não outros que possam ter sido divulgados pelas respetivas candidaturas. Dando valor à palavra escrita, que resultou de reflexão e de opções. Palavras que são, naturalmente, sujeitas a interpretações, e, não menos importante, suscetíveis de ser comprovadas ou contrariadas pelos atos.
Claro que um processo eleitoral não é feito só, ou sobretudo, de programas. É feito por pessoas, que se organizaram para discutir, que assumiram a vontade de participar, que irão agir uma vez eleitas, e que deverão prestar contas. Sobre as pessoas terei também opiniões, mas não é esse o foco desta reflexão pública.
Vamos então por partes, e pela ordem em que as candidaturas surgem na página institucional.
Colégio dos Professores e Investigadores. Duas listas. Dentro do habitual. Propício a lógicas de “Uns” e os “Outros”. Escasso, em termos de pluralidade e de discussão. Mas estas duas listas, dois manifestos, dificilmente poderiam ser mais diferentes na abordagem adotada.
UA 2030: Uma Universidade Inovadora, Sustentável e Plural. Leio o programa e não vejo um programa para um Conselho Geral.
Não reflete sobre as competências do órgão, o seu desempenho passado, o desempenho preconizado ou a sua interação com os outros órgãos da instituição. Não menciona uma das primeiras competências a assumir pelos eleitos, ainda mesmo antes do órgão plenamente constituído: a cooptação das personalidades externas. Também não aborda a vertente supra institucional, seja através da ligação aos órgãos congéneres de outras instituições ou no quadro da eternamente prevista revisão do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES).
Menciona o incentivo à implementação de ações pelos órgãos executivos, mas apresenta um manifesto essencialmente executivo, com é patente nos compromissos enunciados. Promover a implementação de programas, criar condições para desenvolver carreiras, assegurar a manutenção do edificado, garantir o reforço da comunicação, assegurar o fortalecimento de parcerias, desenvolver um plano para as artes e culturas, estreitar a relação com os países africanos de língua portuguesa, estabelecer um balcão único de inovação e parcerias, são alguns dos muitos exemplos.
Paradoxalmente, não refere, sequer, a eleição próxima do Reitor, a um ano de distância, mas que por aí paira há muito, e que é, sem sombra de dúvida, a competência que, infelizmente, mais tem condicionado a generalidade das eleições para os Conselhos Gerais. E é ao Reitor que compete a apresentação dos planos estratégicos e de ação.
Não parecendo, como referi, um manifesto para um Conselho Geral, expressão aliás só referida no cabeçalho e na secção com a visão e objetivos, não explicita ao que vem.
Para mais sobre a ligação entre Conselhos Gerais e a eleição de Reitores ler, por exemplo O ovo, a galinha, a omelete e o empadão, escrito já em 2017 mas que não perdeu a atualidade ou outras reflexões sobre Conselho Gerais.
UA50 – 50 Anos de História, 50 Anos de Ambição. Leio o programa e encontro, sobretudo, uma reflexão sobre a estrutura e o ambiente de governação da instituição.
Há pontos comuns em ambas os manifestos, de que são exemplo as questões do edificado, das carreiras, ou das parcerias. No entanto, estes aspetos e outros de natureza mais executiva são apresentados em segundo plano e de forma matizada, com referência ao papel que neles pode competir ao Conselho Geral. Surge assim como algo contraditório, a referência específica ao reforço das estruturas de apoio à investigação e à cooperação.
No entanto, o foco incide sobre as questões de governança interna, incluindo disposições que estão na esfera estatutária da responsabilidade do Conselho Geral, e um posicionamento face a algumas das preconizadas alterações ao RJIES, abordando aspetos formais, mas também o ambiente vivido e percecionado, remetendo para segundo plano a abordagem para outras áreas de intervenção mais executiva, com matizes pelo papel que nelas pode caber ao Conselho Geral.
Esta candidatura pretende distanciar-se da habitual ligação entre estas eleições e as do próximo Reitor, escolhendo para isso o realce, a negrito e itálico, que não conta com o "envolvimento de putativo(a)s candidato(a)s a Reitor. Na mesma linha, apresenta-se como um movimento plural e diverso. Neste quadro, será de admitir que, havendo vários candidatos a Reitor, estes eleitos não votem, necessariamente, em bloco.
É dado maior destaque às competências próprias dos eleitos e do órgão. No entanto, a cooptação das personalidades externas é encarada numa perspetiva utilitária, de pessoas ditas influentes para fomentar a competitividade da instituição e diversificar a capacidade de financiamento. Esta tem sido, a meu ver, uma das fraquezas das instituições, e que revelam um défice de real abertura à sociedade. É uma visão de um sentido, de ajudar a ter mais meios, em lugar de uma processo de trazer outras visões para a Universidade, que questionem, que desafiem, que causem desconforto, que façam sair dos muros mentais. Também é referido, e aqui bem, o papel fiscalizador que o Conselho Geral deve assumir e que tem como competência própria.
Curiosamente, esta candidatura optou por apresentar o texto em português e inglês.
Representantes dos Estudantes. Sem informação sobre as candidaturas na página do Conselho Geral. Incoerências de um sistema que para um órgão tem duas comissões eleitorais. Juntos, mas separados. Talvez por real falta de coesão institucional. Talvez como resultado de cedências ou de poderes adquiridos. Talvez por ilusões de autonomia ou autossuficiência. Talvez por vontade de controlo. Não é de agora. Mas não tinha de continuar a ser assim.
Colégio dos não docentes e não investigadores. Uma lista. Sem escolha:
Juntos somos mais UA
Um manifesto curto, fechado, não passando das questões de "classe", muitas das quais não serão do âmbito do Conselho Geral, não serão sequer do âmbito do Reitor, mas sim do Administrador. Alguns exemplos. Representar os interesses do pessoal não docente e não investigador, formação profissional, mobilidade entre serviços, preocupação sobre a comunicação entre os órgãos e estes trabalhadores e não nenhuma perspetiva transversal, reconhecimento.
É pouco. Não permite vislumbrar o contributo efetivo para questões e decisões transversais à instituição, baseados no conhecimento e experiência própria de muitos não docentes e não investigadores.
De tempos a tempos volta a esta citação, já com vinte e cinco anos, mas não encontro aqui este espírito.
"Yet, ironically, many staff members are far more loyal to the university than students or faculty. In one sense this is because they are more permanent than students and faculty. Students are essentially tourists, spending only a few short years on the campus, and seeing relatively little of its myriad activities. Similarly, many faculty members view their appointments in the university as simply another step up the academic ladder. Their presence at and their loyalty to the institution is limited, usually outweighed by their loyalty to their disciplines and their careers. In contrast many staff members spend their entire career at the same university , although they may assume a variety of roles. As a result, they not only exhibit a greater institutional loyalty than faculty or students, but they also sustain the continuity, the corporate memory, and the momentum of the university. Ironically, they also sometimes develop a far broader view of the university, its array of activities, and even its history, than do the relative short-timers among the faculty and students." (J. Duderstadt, 2000).