A Plataforma para o Crescimento Sustentável, iniciativa mediática protagonizada por Jorge Moreira da Silva, produziu um relatório para o dito crescimento,com uma pitada de "visão pós-troika", de que já está disponível o sumário executivo.
Sendo um sumário isso mesmo, um sumário, privilegia, na área do ensino superior e da ciência, o aumento da eficácia e da eficiência: "O que é verdadeiramente importante são os resultados que se alcançam com esse financiamento [mais do que o eventual aumento do financiamento público]".
Para este fim preconiza a proclamada reorganização e racionalização da rede de ensino superior, num só parágrafo e de uma assentada, "através da fusão, extinção e associação de instituições, com recurso à avaliação das instituições e a um novo modelo de financiamento, que promova a definição de missões distintas para as instituições de ensino superior, num quadro de competição e cooperação dentro do sistema e de criação de massa crítica indispensável à internacionalização do ensino superior." Ufa!
Fusão, extinção e associação de instituições são instrumentos conhecidos e até consagrados na lei. Fusão vem aí uma; cooperação existe alguma; associações formais menos a não ser para fins parcelares e específicos (graus, projetos, unidades de investigação); extinções nem por isso, salvo o caso de algumas privadas. Mas ficam as perguntas habituais: Em nome de quê? Onde? Entre universidades e politécnicos? Entre públicas e privadas? Só nas grandes cidades? Politécnicos regionais?
Com recurso a avaliações institucionais - sim, mas é preciso clarificar antes as missões de cada instituição, de per si e no sistema, e o que de facto se pretende alcançar.
Um novo modelo de financiamento que promova missões distintas - baseado em contratos institucionais em que diferentes fins são acolhidos e vistos por métricas diferentes? Por fórmula? Misto?
Num quadro de competição e de cooperação - se as missões diferentes podem estimular uma complementaridade e, por esta via, cooperação, já a redução de instituições, em conjunto com esta diferenciação, reduzirá a competição.
Massa crítica indispensável à internacionalização - mera junção de dois chavões ou mais do que isso? Que internacionalização se preconiza: "exportar" o ensino superior? Acolher mais alunos estrangeiros? Ter maior presença em redes internacionais? É o que é massa crítica: uma mega-universidade? Ou "small" ainda pode ser "beautiful", como no famoso mote muito caro ao movimento ambiental.
E bom, claro, falta uma referência à ligação da rede ao território e ao desenvolvimento sustentável, o que, num trabalho desta natureza até é de estranhar.
Repito, isto é um parágrafo do sumário executivo. Mas temo que o relatório propriamente dito não vá muito além destas generalidades, que permitem acolher o tudo e o nada.
Ainda não foi desta que veio o peixe.
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
domingo, 16 de dezembro de 2012
Viagem
Nuvens. Chuva. Estrada deserta.
O mundo que existe para lá do vidro, para lá das gotas, é um mundo desfocado, de formas indistintas, de cores atenuadas e tons sombrios. Mundo que se vê, mas que se não sente. Não se sente o toque do vento que abana as árvores. Não se sente o frio da água que escorre pelas encostas. Não se ouve o embate da chuva com as folhas, com as pedras, com a terra.
Nuvens. Chuva. Estrada.
Para o mundo somos nós que estamos desfocados, para lá do vidro, para lá das gotas. Num casulo morno, em que parados deslizamos. Envoltos em sons que se misturam: o crepitar da chuva, o fremir longínquo do motor, as rodas pisando a água, o rádio de onde chegam vozes e sons de outros tempos, deste tempo. Toca chuva vermelha, com cores que esta não tem. Realidade irreal.
Estrada. Carros.
Pessoas que não se vêem. Cruzam-se, ultrapassam, são ultrapassadas. Pensamentos e vidas; no mesmo mundo mas em muitos mundos. Em que os outros estão desfocados, e em que nós somos os outros.
Nevoeiro. Estrada. O mundo encolhe. As encostas, as árvores e os muros partiram. Fica a estrada. Só. Sem início e sem fim. Estrada sem destino. Sem antes e depois. Sem tempo.
Estrada. Rua. Cidade. A chave roda. A porta abre-se. Os mundos tocam-se. Mais portas. Outros mundos.
O mundo que existe para lá do vidro, para lá das gotas, é um mundo desfocado, de formas indistintas, de cores atenuadas e tons sombrios. Mundo que se vê, mas que se não sente. Não se sente o toque do vento que abana as árvores. Não se sente o frio da água que escorre pelas encostas. Não se ouve o embate da chuva com as folhas, com as pedras, com a terra.
Nuvens. Chuva. Estrada.
Para o mundo somos nós que estamos desfocados, para lá do vidro, para lá das gotas. Num casulo morno, em que parados deslizamos. Envoltos em sons que se misturam: o crepitar da chuva, o fremir longínquo do motor, as rodas pisando a água, o rádio de onde chegam vozes e sons de outros tempos, deste tempo. Toca chuva vermelha, com cores que esta não tem. Realidade irreal.
Estrada. Carros.
Pessoas que não se vêem. Cruzam-se, ultrapassam, são ultrapassadas. Pensamentos e vidas; no mesmo mundo mas em muitos mundos. Em que os outros estão desfocados, e em que nós somos os outros.
Nevoeiro. Estrada. O mundo encolhe. As encostas, as árvores e os muros partiram. Fica a estrada. Só. Sem início e sem fim. Estrada sem destino. Sem antes e depois. Sem tempo.
Estrada. Rua. Cidade. A chave roda. A porta abre-se. Os mundos tocam-se. Mais portas. Outros mundos.
sábado, 1 de dezembro de 2012
Artigo 75.º
A entrevista ao Primeiro-Ministro, realizada esta semana, deu rapidamente azo a uma discussão sobre a gratuitidade do ensino, a escolaridade obrigatória e a (in)constitucionalidade de eventuais medidas nestes domínios. Nos jornais explanaram-se modalidades com impacto no financiamento do ensino: cheque-ensino, contatos de associação, concessões a privados. Em foco esteve o artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa, e as interpretações expressas por diferentes constitucionalistas.
Curiosamente, não ouvi, nestas discussões, mencionar o Artigo 75.º, que foca o papel do Estado na rede de ensino, e que aqui reproduzo: "1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. 2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.".
Na versão originária, a expressão aplicada à rede era "estabelecimentos oficiais", tendo passado a "estabelecimentos públicos" na revisão de 1982. Esta número não foi objeto de mais nenhuma modificação, nas sucessivas alterações da constituição que ocorreram até 2005. Ora uma rede de "estabelecimentos públicos", que cubra as necessidades de "toda" a população parece ser bastante claro e explícito, e levará, com certeza, a todo um outro debate.
Curiosamente, não ouvi, nestas discussões, mencionar o Artigo 75.º, que foca o papel do Estado na rede de ensino, e que aqui reproduzo: "1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. 2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.".
Na versão originária, a expressão aplicada à rede era "estabelecimentos oficiais", tendo passado a "estabelecimentos públicos" na revisão de 1982. Esta número não foi objeto de mais nenhuma modificação, nas sucessivas alterações da constituição que ocorreram até 2005. Ora uma rede de "estabelecimentos públicos", que cubra as necessidades de "toda" a população parece ser bastante claro e explícito, e levará, com certeza, a todo um outro debate.
A Rede, em versão radiofónica
Adaptação radiofónica da entrada A Rede (I), para o Click, emitido hoje, na Antena 1:
http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c100659
As redes são feitas de linhas e de nós; de cruzamentos e ligações; os fios podem ser finos ou espessos; e os nós grandes ou pequenos; as redes podem assumir diferentes formas e padrões, regulares ou irregulares; umas são densas, outras rarefeitas. E todas têm usos próprios.
Da rede de ensino superior diz-se que deve ser racionalizada; que tem instituições a mais; que é necessário reduzir custos, gastar menos ou distribuir por menos. Pouco se fala do seu uso actual e, menos ainda, do uso que deverá ter. Ora esta rede não é apenas uma, mas várias.
Existe a rede de licenciaturas e mestrados que, na verdade, de rede pouco tem. Tem os nós - universidades e politécnicos – mas são escassas as ligações entre eles: alguns cursos partilhados, alguns professores que se deslocam. Esta rede, pouco rede, mexe, no entanto, com uma outra - a da ocupação do território, das cidades e das vilas, das estradas e dos caminhos de ferro; algumas centenas de milhares de estudantes movem-se para os nós onde se ensina; por vezes regressam à origem; muitas outras, não.
Existe, também, a rede de investigação, em que grupos de diferentes instituições, sobretudo de universidades públicas, colaboram entre si, criando conhecimento. Esta rede não é apenas nacional; faz parte de outra muito mais vasta, com fortes ligações à Europa e para além dela. A investigação é, seguramente, uma das atividades mais internacionalizadas do País, baseada numa grande mobilidade de docentes e investigadores, e em significativos fluxos financeiros.
Existe, ainda, uma terceira rede, que envolve empresas, instituições públicas e associações. Através dela usa-se o conhecimento de um modo mais alargado, trabalha-se em conjunto, criam-se e aperfeiçoam-se produtos e serviços, atualizam-se conhecimentos. Aqui emergem muitos outros nós, para além das universidades e politécnicos, bem como uma diversidade de ligações, locais, regionais e nacionais.
Mexer num simples nó da rede de ensino superior é mexer em todas estas redes. É possível; é inevitável; e é mesmo desejável. Mas para o fazer bem é preciso compreender todas estas dimensões e, desde logo, saber o que se quer, tendo presente que diferentes pessoas querem diferentes países, ainda que todos sejam Portugal. É por tudo isto que a dita racionalização não pode ter apenas por base a linha das despesas, nem ser feita por mero decreto.
http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c100659
As redes são feitas de linhas e de nós; de cruzamentos e ligações; os fios podem ser finos ou espessos; e os nós grandes ou pequenos; as redes podem assumir diferentes formas e padrões, regulares ou irregulares; umas são densas, outras rarefeitas. E todas têm usos próprios.
Da rede de ensino superior diz-se que deve ser racionalizada; que tem instituições a mais; que é necessário reduzir custos, gastar menos ou distribuir por menos. Pouco se fala do seu uso actual e, menos ainda, do uso que deverá ter. Ora esta rede não é apenas uma, mas várias.
Existe a rede de licenciaturas e mestrados que, na verdade, de rede pouco tem. Tem os nós - universidades e politécnicos – mas são escassas as ligações entre eles: alguns cursos partilhados, alguns professores que se deslocam. Esta rede, pouco rede, mexe, no entanto, com uma outra - a da ocupação do território, das cidades e das vilas, das estradas e dos caminhos de ferro; algumas centenas de milhares de estudantes movem-se para os nós onde se ensina; por vezes regressam à origem; muitas outras, não.
Existe, também, a rede de investigação, em que grupos de diferentes instituições, sobretudo de universidades públicas, colaboram entre si, criando conhecimento. Esta rede não é apenas nacional; faz parte de outra muito mais vasta, com fortes ligações à Europa e para além dela. A investigação é, seguramente, uma das atividades mais internacionalizadas do País, baseada numa grande mobilidade de docentes e investigadores, e em significativos fluxos financeiros.
Existe, ainda, uma terceira rede, que envolve empresas, instituições públicas e associações. Através dela usa-se o conhecimento de um modo mais alargado, trabalha-se em conjunto, criam-se e aperfeiçoam-se produtos e serviços, atualizam-se conhecimentos. Aqui emergem muitos outros nós, para além das universidades e politécnicos, bem como uma diversidade de ligações, locais, regionais e nacionais.
Mexer num simples nó da rede de ensino superior é mexer em todas estas redes. É possível; é inevitável; e é mesmo desejável. Mas para o fazer bem é preciso compreender todas estas dimensões e, desde logo, saber o que se quer, tendo presente que diferentes pessoas querem diferentes países, ainda que todos sejam Portugal. É por tudo isto que a dita racionalização não pode ter apenas por base a linha das despesas, nem ser feita por mero decreto.
domingo, 18 de novembro de 2012
A Rede (I)
Rede; linhas e nós; cruzamentos e ligações.
Fala-se, desde há muito, em racionalizar a rede de ensino superior.
Reforçar uns nós e cortar outros; gastar menos ou distribuir por menos.
Fala-se, cada vez mais, em reduzir custos.
Fala-se pouco do uso que a rede tem.
Não se fala do uso que a rede pode ter, ou dos usos que queremos que a rede venha a ter.
Não se fala sobre a força ou a fraqueza dos diferentes nós, e sobre a qualidade das linhas.
Na verdade, a rede não é uma, mas várias.
Existe a rede de licenciaturas e mestrados, que de rede pouco tem, uma vez que quase só existem os nós - universidades e politécnicos - e poucas são as ligações entre eles; alguns professores; alguns cursos em comum. E podemos fragmentá-la noutras redes, mais finas: ensino universitário, ensino politécnico, ensino público, ensino privado. Mas esta rede, pouco rede, mexe, no entanto, com uma outra - a da ocupação do território, com cidades e estradas; algumas centenas de milhares de estudantes concentram-se nos nós de ensino; por vezes regressam à origem; outras vezes não.
Existe, também, a rede de investigação, em que grupos de diferentes nós, sobretudo de universidades públicas, colaboram entre si, criando conhecimento, desenvolvendo projetos, aprendendo. Esta rede não é nacional; faz parte de outra muito mais vasta, com muitas ligações à Europa, e para além dela.
Existe, ainda, a rede de cooperação com outras instituições, empresas, instituições públicas, associações. Usa-se o conhecimento, contribui-se para a formação, trabalha-se em conjunto. Aqui surgem muitos outros nós, para além das universidades e politécnicos, e uma grande variedade de ligações, locais, regionais, nacionais.
Mexer apenas num nó é mexer em todas estas redes. É possível; é desejável; é inevitável. Desde logo convém saber o que se quer; requisito que poderá parecer trivial, mas que na realidade não é: diferentes pessoas querem diferentes países, ainda que tenham todos o mesmo nome. E é preciso, também, compreender todas estas dimensões.
Tema a continuar.
Fala-se, desde há muito, em racionalizar a rede de ensino superior.
Reforçar uns nós e cortar outros; gastar menos ou distribuir por menos.
Fala-se, cada vez mais, em reduzir custos.
Fala-se pouco do uso que a rede tem.
Não se fala do uso que a rede pode ter, ou dos usos que queremos que a rede venha a ter.
Não se fala sobre a força ou a fraqueza dos diferentes nós, e sobre a qualidade das linhas.
Na verdade, a rede não é uma, mas várias.
Existe a rede de licenciaturas e mestrados, que de rede pouco tem, uma vez que quase só existem os nós - universidades e politécnicos - e poucas são as ligações entre eles; alguns professores; alguns cursos em comum. E podemos fragmentá-la noutras redes, mais finas: ensino universitário, ensino politécnico, ensino público, ensino privado. Mas esta rede, pouco rede, mexe, no entanto, com uma outra - a da ocupação do território, com cidades e estradas; algumas centenas de milhares de estudantes concentram-se nos nós de ensino; por vezes regressam à origem; outras vezes não.
Existe, também, a rede de investigação, em que grupos de diferentes nós, sobretudo de universidades públicas, colaboram entre si, criando conhecimento, desenvolvendo projetos, aprendendo. Esta rede não é nacional; faz parte de outra muito mais vasta, com muitas ligações à Europa, e para além dela.
Existe, ainda, a rede de cooperação com outras instituições, empresas, instituições públicas, associações. Usa-se o conhecimento, contribui-se para a formação, trabalha-se em conjunto. Aqui surgem muitos outros nós, para além das universidades e politécnicos, e uma grande variedade de ligações, locais, regionais, nacionais.
Mexer apenas num nó é mexer em todas estas redes. É possível; é desejável; é inevitável. Desde logo convém saber o que se quer; requisito que poderá parecer trivial, mas que na realidade não é: diferentes pessoas querem diferentes países, ainda que tenham todos o mesmo nome. E é preciso, também, compreender todas estas dimensões.
Tema a continuar.
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
A prova da maratona
Vítor Gaspar gosta de imagens. Brindou-nos agora com a metáfora da prova da maratona e da persistência que esta requer. Não sei se o Sr. Ministro conhece a história que vou contar, sobre uma outra maratona, esta olímpica, e que se realizou há 100 anos, aquando da primeira participação de Portugal nos Jogos Olímpicos. Estávamos em Estocolmo, no dia 14 de julho de 1912, eram 13h48. A hora marca o início da prova mais dura: 42.195 metros percorridos em memória de Filípides, mensageiro da Grécia antiga. As condições externas são adversas, com uma temperatura superior a 30°C. À partida encontrava-se um jovem português, com vontade de lutar pela vitória. Terá untado o corpo com sebo para se proteger; terá ingerido uma mistura, comum à época, para melhorar o desempenho; terá sido um dos poucos a correr de cabeça descoberta. Ao quilómetro 30, mais três do que na imagem de Gaspar, desfaleceu. A temperatura do corpo subiu aos 42°C. Francisco Lázaro, era esse o seu nome, viria a falecer. Podem fazer-se os mais variados juízos, e mesmo apelidar Lázaro de insensato. Mas, talvez contra muitas outras vozes, ele acreditaria que estava no caminho certo. Não estava. A receita para a vitória não resultou.
Publicado no Jornal Público, Cartas à Diretora, em 31/10/2012
domingo, 28 de outubro de 2012
3, 2, 1 ... Ação?
O Ministro da Educação e Ciência (MEC) foi, como todos os outros ministros, às jornadas parlamentares dos partidos da maioria, um evento em que o Governo de Portugal presta contas aos deputados de dois partidos e, ao mesmo tempo, fala para os ausentes - os outros partidos e o próprio País - tirando partido da presença da comunicação social. Estranha maneira de fazer política...
A TSF tem um pequeno extrato da intervenção do MEC (http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=2851657), em que este afirma "Este problema tem que ser enfrentado de frente, havendo uma racionalização da oferta, havendo maior fusão de instituições ou coordenação entre as instituições. (...) Nós temos sobretudo que enfrentar este problema que se passa nos politécnicos; viu-se este ano como houve tantos cursos que ficaram sem ocupação, sem alunos, e isto não se justifica; o País não pode estar a pagar isto, nem as Escolas lucram com isso."
Não se percebe se o diagnóstico (gasto e genérico) foi seguido por medidas concretas de ação, ou pelo menos, por uma ideia de futuro. Duvido que tal tenha acontecido!
Fui reler o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, e realço aqui alguns artigos, à atenção do Senhor Ministro.
Artigo 4.º, n.º 2: "Nos termos da Constituição, incumbe ao Estado a criação de uma rede de instituições de ensino superior públicas que satisfaça as necessidades do País.". As necessidades de formação superior não podem ser definidas e redefinidas ano a ano; não é esse o ciclo temporal adequado. Em termos de qualificação da população continuamos com níveis bem abaixo da maioria dos países desenvolvidos. Em termos de áreas de formação temos evidentes assimetrias. Quais as necessidades do País? E de que País?
Artigo 54.º, n.º 1: "O Estado deve promover a racionalização da rede de instituições de ensino superior públicas e da sua oferta formativa." Já lá vai quase ano e meio e nada, a não ser a repetição da palavra racionalização.
Artigo 17.º n,º2: "Os consórcios a que se refere o número anterior [entre instituições públicas de ensino superior ou entre estas e instituições públicas ou privadas de investigação e desenvolvimento, para coordenação da oferta formativa e dos recursos humanos e materiais] podem igualmente ser criados por iniciativa do Governo, por portaria do ministro da tutela, ouvidas as instituições." Aqui não se trata de fusões, mas sim de consórcios, uma forma de cooperação mais simples e mais rápida de estabelecer.
Artigo 55.º, n.º 1: "As instituições de ensino superior públicas são extintas por decreto-lei, considerados os resultados da avaliação e ouvidos os órgãos da instituição em causa, bem como os organismos representativos das instituições de ensino superior públicas e o Conselho Coordenador do Ensino Superior [desaparecido [s]em combate]."
Artigo 55.º, n.º 2: "Nos mesmos termos podem ser fundidas, integradas ou cindidas instituições de ensino superior públicas.", disposição que deverá enquadrar o processo de fusão em curso entre as universidades de Lisboa e Técnica de Lisboa. Está, no entanto, vedada a fusão de universidades com institutos politénicos [n.º 6 do artigo 13.º].
Se a racionalização da rede é tão importante e urgente, como é sistematicamente apregoado, o então Governo tem a legitimidade e os instrumentos para o fazer. Haja visão e vontade. De uma e de outra não existem sinais!
A TSF tem um pequeno extrato da intervenção do MEC (http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=2851657), em que este afirma "Este problema tem que ser enfrentado de frente, havendo uma racionalização da oferta, havendo maior fusão de instituições ou coordenação entre as instituições. (...) Nós temos sobretudo que enfrentar este problema que se passa nos politécnicos; viu-se este ano como houve tantos cursos que ficaram sem ocupação, sem alunos, e isto não se justifica; o País não pode estar a pagar isto, nem as Escolas lucram com isso."
Não se percebe se o diagnóstico (gasto e genérico) foi seguido por medidas concretas de ação, ou pelo menos, por uma ideia de futuro. Duvido que tal tenha acontecido!
Fui reler o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, e realço aqui alguns artigos, à atenção do Senhor Ministro.
Artigo 4.º, n.º 2: "Nos termos da Constituição, incumbe ao Estado a criação de uma rede de instituições de ensino superior públicas que satisfaça as necessidades do País.". As necessidades de formação superior não podem ser definidas e redefinidas ano a ano; não é esse o ciclo temporal adequado. Em termos de qualificação da população continuamos com níveis bem abaixo da maioria dos países desenvolvidos. Em termos de áreas de formação temos evidentes assimetrias. Quais as necessidades do País? E de que País?
Artigo 54.º, n.º 1: "O Estado deve promover a racionalização da rede de instituições de ensino superior públicas e da sua oferta formativa." Já lá vai quase ano e meio e nada, a não ser a repetição da palavra racionalização.
Artigo 17.º n,º2: "Os consórcios a que se refere o número anterior [entre instituições públicas de ensino superior ou entre estas e instituições públicas ou privadas de investigação e desenvolvimento, para coordenação da oferta formativa e dos recursos humanos e materiais] podem igualmente ser criados por iniciativa do Governo, por portaria do ministro da tutela, ouvidas as instituições." Aqui não se trata de fusões, mas sim de consórcios, uma forma de cooperação mais simples e mais rápida de estabelecer.
Artigo 55.º, n.º 1: "As instituições de ensino superior públicas são extintas por decreto-lei, considerados os resultados da avaliação e ouvidos os órgãos da instituição em causa, bem como os organismos representativos das instituições de ensino superior públicas e o Conselho Coordenador do Ensino Superior [desaparecido [s]em combate]."
Artigo 55.º, n.º 2: "Nos mesmos termos podem ser fundidas, integradas ou cindidas instituições de ensino superior públicas.", disposição que deverá enquadrar o processo de fusão em curso entre as universidades de Lisboa e Técnica de Lisboa. Está, no entanto, vedada a fusão de universidades com institutos politénicos [n.º 6 do artigo 13.º].
Se a racionalização da rede é tão importante e urgente, como é sistematicamente apregoado, o então Governo tem a legitimidade e os instrumentos para o fazer. Haja visão e vontade. De uma e de outra não existem sinais!
sábado, 27 de outubro de 2012
Rankings: Manusear com cuidado!
Na edição do Click de 26 de outubro, Antena 1.
(áudio em: http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c96914)
Os rankings são populares. Populares porque são simples; e porque gostamos, nem que seja por curiosidade, de saber quem é o n.º 1! Não estranha, por isso, a proliferação de rankings internacionais de universidades, e a crescente importância que vêm conquistando.
Vem isto a propósito da edição de 2012 do World University Rankings, elaborado pelo periódico britânico Times Higher Education. Da lista disponível podemos retirar mensagens simples como “as universidades portuguesas perdem terreno”; ou “Aveiro, Porto e Minho estão entre as 400 melhores”. Quem se der a um pouco mais de trabalho poderá concluir que Aveiro e Porto melhoraram em todos os indicadores; ou ainda que Portugal tem tantas universidades no top 400 como o continente africano, ou como a América do Sul.
Mas não nos fiquemos pelas leituras superficiais. Desde logo, porque nenhum ranking resulta de uma análise das 17000 universidades existentes no mundo - não há uma liga mundial das universidades. No caso do Times, por exemplo, estamos perante uma participação por convite, dirigido a pouco mais de 600 instituições previamente seleccionadas tendo em conta, designadamente, a sua produção científica.
Por outro lado, cada ranking pressupõe um determinado modelo de universidade, que é traduzido pelos parâmetros que são avaliados e pela importância conferida a cada um. Para o Times Higher Education, por exemplo, é valorizada, sobretudo, a reputação da universidade em termos de ensino e de investigação; reputação essa que é avaliada através de um inquérito dirigido exclusivamente a académicos; e que representa um 1/3 da nota final.
Este é um dos perigos destas poderosas ferramentas de comunicação – afirmar um determinado conceito de universidade como aquele que deve ser seguido. Outro perigo, não menos importante, é que induzem uma confusão entre posição e qualidade; repare-se, por exemplo, que apenas 6 pontos, em 100 possíveis, fazem este ano a diferença entre figurar no lugar 70, ou no lugar 100 – será assim tão relevante? Mas o risco maior está dentro das próprias instituições, que podem ser tentadas a orientar toda a sua estratégia de actuação para alcançar a visibilidade proporcionada pelos rankings, em detrimento da sua própria missão e dos seus valores. As universidades não são, nem devem ser, todas iguais. E para universidades diversas serão necessárias métricas distintas.
É por tudo isto que os rankings trazem uma etiqueta: Atenção! Manusear com cuidado!
(áudio em: http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c96914)
Os rankings são populares. Populares porque são simples; e porque gostamos, nem que seja por curiosidade, de saber quem é o n.º 1! Não estranha, por isso, a proliferação de rankings internacionais de universidades, e a crescente importância que vêm conquistando.
Vem isto a propósito da edição de 2012 do World University Rankings, elaborado pelo periódico britânico Times Higher Education. Da lista disponível podemos retirar mensagens simples como “as universidades portuguesas perdem terreno”; ou “Aveiro, Porto e Minho estão entre as 400 melhores”. Quem se der a um pouco mais de trabalho poderá concluir que Aveiro e Porto melhoraram em todos os indicadores; ou ainda que Portugal tem tantas universidades no top 400 como o continente africano, ou como a América do Sul.
Mas não nos fiquemos pelas leituras superficiais. Desde logo, porque nenhum ranking resulta de uma análise das 17000 universidades existentes no mundo - não há uma liga mundial das universidades. No caso do Times, por exemplo, estamos perante uma participação por convite, dirigido a pouco mais de 600 instituições previamente seleccionadas tendo em conta, designadamente, a sua produção científica.
Por outro lado, cada ranking pressupõe um determinado modelo de universidade, que é traduzido pelos parâmetros que são avaliados e pela importância conferida a cada um. Para o Times Higher Education, por exemplo, é valorizada, sobretudo, a reputação da universidade em termos de ensino e de investigação; reputação essa que é avaliada através de um inquérito dirigido exclusivamente a académicos; e que representa um 1/3 da nota final.
Este é um dos perigos destas poderosas ferramentas de comunicação – afirmar um determinado conceito de universidade como aquele que deve ser seguido. Outro perigo, não menos importante, é que induzem uma confusão entre posição e qualidade; repare-se, por exemplo, que apenas 6 pontos, em 100 possíveis, fazem este ano a diferença entre figurar no lugar 70, ou no lugar 100 – será assim tão relevante? Mas o risco maior está dentro das próprias instituições, que podem ser tentadas a orientar toda a sua estratégia de actuação para alcançar a visibilidade proporcionada pelos rankings, em detrimento da sua própria missão e dos seus valores. As universidades não são, nem devem ser, todas iguais. E para universidades diversas serão necessárias métricas distintas.
É por tudo isto que os rankings trazem uma etiqueta: Atenção! Manusear com cuidado!
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Em defesa dos bons alunos
Não gosto da analogia do "bom aluno", que se vem aplicando a Portugal. Desde logo porque na diplomacia entre Estados não existem professores e alunos. Não se trata de ensinar e de aprender. Há, sim, visões, interesses, conflitos e poderes. Mas também o próprio comportamento do dito aluno não indicia nada de bom: esforçado mas subserviente; obediente; sem voz própria; cultivando certa imagem para daí retirar benefícios. Ora este aluno parece estudar apenas para os exames trimestrais, improvisando na véspera, e reprovando em todos os exames finais. Sejamos justos para os verdadeiros bons alunos; aqueles que são curiosos, críticos, desafiadores; que trabalham e têm imaginação; capazes de propor diferentes caminhos; alunos que não jogam para o resultado, mas em que este surge como consequência natural de todo o trabalho feito.
Publicado no Jornal Público, Cartas à Diretora, em 23/10/2012
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Entre os pingos da chuva
O comunicado do Presidente do CDS, hoje divulgado, é mais uma peça bizarra do teatro político que preenche os dias. O próprio facto de existir, em lugar de Paulo Portas proferir umas simples afirmações à comunicação social é, por si só, um elemento a reter. Claro que entrevistas podem sempre implicar perguntas incómodas, ou deixar transparecer emoções e contradições. Por outro lado é de crer que cada palavra, num texto escrito nesta situação, terá o seu peso. E é preciso ver também quem será o destinatário das mensagens.
Começa por afirmar que "O CDS votará o Orçamento de Estado considerando que Portugal não pode ter uma crise política ...".O CDS votará, como não poderia deixar de ser! Mas o próprio presidente do partido não usa o termo "aprovará", que seria, sem dúvida, mais forte e inequívoco.
Depois temos uma daquelas frases, recorrentes e supostamente grandiloquentes, que os políticos gostam de usar: "Face a este quadro de referência o CDS deve colocar acima de tudo o seu dever de responsabilidade perante o País". Mas o que revela, de facto, é que apenas um quadro dramático leva a que o País venha em primeiro lugar... E se lida em conjunto com o ponto final do comunicado, "O CDS deve estar à altura das circunstâncias.", repetindo a palavra "deve" não dá como adquirida a posição, a escolha, a atitude, a capacidade do seu próprio partido.
Quem é o(s) destinatário(s). O parceiro de coligação? Os deputados-do-CDS-que-criticam-e-não aplaudem? Ou o vento que ajuda a acreditar que se pode passar entre os pingos da chuva?
Começa por afirmar que "O CDS votará o Orçamento de Estado considerando que Portugal não pode ter uma crise política ...".O CDS votará, como não poderia deixar de ser! Mas o próprio presidente do partido não usa o termo "aprovará", que seria, sem dúvida, mais forte e inequívoco.
Depois temos uma daquelas frases, recorrentes e supostamente grandiloquentes, que os políticos gostam de usar: "Face a este quadro de referência o CDS deve colocar acima de tudo o seu dever de responsabilidade perante o País". Mas o que revela, de facto, é que apenas um quadro dramático leva a que o País venha em primeiro lugar... E se lida em conjunto com o ponto final do comunicado, "O CDS deve estar à altura das circunstâncias.", repetindo a palavra "deve" não dá como adquirida a posição, a escolha, a atitude, a capacidade do seu próprio partido.
Quem é o(s) destinatário(s). O parceiro de coligação? Os deputados-do-CDS-que-criticam-e-não aplaudem? Ou o vento que ajuda a acreditar que se pode passar entre os pingos da chuva?
domingo, 14 de outubro de 2012
Autonomia reforçada (II) - O trilho semântico
Continuação da entrada de 4 de agosto, agora com uma breve cronologia da expressão em crescente voga na política do ensino superior: autonomia reforçada.
O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, aprovado em 2007, não "quantificava" a autonomia, mas apenas a "qualificava": "As instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza.".
Em relação às instituições-fundação o mesmo diploma dispõe que "As instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional dispõem de autonomia nos mesmos termos das demais instituições de ensino superior públicas, com as devidas adaptações decorrentes daquela natureza." Havia, apenas, "autonomia", e diferenças resultantes da aplicação do regime privado em alguns dos domínios.
Em abril deste ano, as universidades de Lisboa (UL) e Técnica de Lisboa (UTL), aprovaram um documento com o programa de fusão das duas instituições, introduzindo o "reforço" da autonomia: "Os princípios de uma autonomia reforçada devem abranger todas as dimensões da vida universitária (...)", "Um dos aspectos centrais desta autonomia reforçada prende-se com a Gestão da Universidade (...)"; "Temos consciência de que a obtenção desta autonomia reforçada exige, como contrapartida da Universidade, a disponibilidade para um escrutínio por parte das entidades públicas e um exame periódico da sua actividade e funcionamento."
Pouco depois, a Lei-Quadro das Fundações, aprovada em 18 de maio e publicada em julho, usa esta mesma terminologia: "Excetuam-se do disposto nos números anteriores as instituições de ensino superior públicas com autonomia reforçada a que se refere o capítulo VI do título III da Lei n.º 62/2007 [o RJIES], (...), às quais não se aplica a lei-quadro das fundações (...)". Opção curiosa pois, como referi, o RJIES não usa tal terminologia, e o capítulo VI mencionado designa-se Instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional. Portanto, em lugar de se referir que a lei-quadro das fundações não se aplica a algumas destas, o que não deixaria de soar de forma estranha, consagra-se o mesmo, mas com outro fraseado.
Em agosto, à margem da cerimónia de assinatura de um protocolo visando a fusão entre a UL e a UTL o Ministro da Educação e Ciência afirmou "o Governo proporá, em breve, no quadro da revisão do regime jurídico das instituições de ensino superior, a extinção do existente regime fundacional e a sua substituição por um regime de autonomia reforçada, que manterá e desenvolverá as principais características daquele. Terão possibilidades de aceder a este regime as instituições do ensino superior que revelem suficiente solidez e sustentabilidade académica, financeira e patrimonial. Para além das atuais fundações, Universidade do Porto, Universidade de Aveiro e ISCTE, e da Universidade do Minho que está em conversações com este governo nesse sentido, existirá, naturalmente, a nova universidade de Lisboa ". [transcrição a partir do áudio disponível no sítio da RTP].
Não será, certamente, por ter relido recentemente 1984, de George Orwell, que estarei mais atento às palavras, mas o surgimento, uso e susbstituição de termos não costuma ser inócuo, nem fruto do acaso. De documentos de duas instituições de ensino superior, a uma Lei da Assembleia, a que se segue uma intervenção pública do Ministro da tutela, que anuncia uma proposta de revisão legislativa e, muito mais do que isso, a aplicação de uma nova forma de autonomia às duas instituições já referidas, fechando assim o ciclo, mas também, e desde logo, a mais quatro instituições. Neste caso, antes da lei, ou melhor antes sequer de uma proposta, conhece-se já o resultado da sua eventual aplicação!
O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, aprovado em 2007, não "quantificava" a autonomia, mas apenas a "qualificava": "As instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza.".
Em relação às instituições-fundação o mesmo diploma dispõe que "As instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional dispõem de autonomia nos mesmos termos das demais instituições de ensino superior públicas, com as devidas adaptações decorrentes daquela natureza." Havia, apenas, "autonomia", e diferenças resultantes da aplicação do regime privado em alguns dos domínios.
Em abril deste ano, as universidades de Lisboa (UL) e Técnica de Lisboa (UTL), aprovaram um documento com o programa de fusão das duas instituições, introduzindo o "reforço" da autonomia: "Os princípios de uma autonomia reforçada devem abranger todas as dimensões da vida universitária (...)", "Um dos aspectos centrais desta autonomia reforçada prende-se com a Gestão da Universidade (...)"; "Temos consciência de que a obtenção desta autonomia reforçada exige, como contrapartida da Universidade, a disponibilidade para um escrutínio por parte das entidades públicas e um exame periódico da sua actividade e funcionamento."
Pouco depois, a Lei-Quadro das Fundações, aprovada em 18 de maio e publicada em julho, usa esta mesma terminologia: "Excetuam-se do disposto nos números anteriores as instituições de ensino superior públicas com autonomia reforçada a que se refere o capítulo VI do título III da Lei n.º 62/2007 [o RJIES], (...), às quais não se aplica a lei-quadro das fundações (...)". Opção curiosa pois, como referi, o RJIES não usa tal terminologia, e o capítulo VI mencionado designa-se Instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional. Portanto, em lugar de se referir que a lei-quadro das fundações não se aplica a algumas destas, o que não deixaria de soar de forma estranha, consagra-se o mesmo, mas com outro fraseado.
Em agosto, à margem da cerimónia de assinatura de um protocolo visando a fusão entre a UL e a UTL o Ministro da Educação e Ciência afirmou "o Governo proporá, em breve, no quadro da revisão do regime jurídico das instituições de ensino superior, a extinção do existente regime fundacional e a sua substituição por um regime de autonomia reforçada, que manterá e desenvolverá as principais características daquele. Terão possibilidades de aceder a este regime as instituições do ensino superior que revelem suficiente solidez e sustentabilidade académica, financeira e patrimonial. Para além das atuais fundações, Universidade do Porto, Universidade de Aveiro e ISCTE, e da Universidade do Minho que está em conversações com este governo nesse sentido, existirá, naturalmente, a nova universidade de Lisboa ". [transcrição a partir do áudio disponível no sítio da RTP].
Não será, certamente, por ter relido recentemente 1984, de George Orwell, que estarei mais atento às palavras, mas o surgimento, uso e susbstituição de termos não costuma ser inócuo, nem fruto do acaso. De documentos de duas instituições de ensino superior, a uma Lei da Assembleia, a que se segue uma intervenção pública do Ministro da tutela, que anuncia uma proposta de revisão legislativa e, muito mais do que isso, a aplicação de uma nova forma de autonomia às duas instituições já referidas, fechando assim o ciclo, mas também, e desde logo, a mais quatro instituições. Neste caso, antes da lei, ou melhor antes sequer de uma proposta, conhece-se já o resultado da sua eventual aplicação!
sábado, 6 de outubro de 2012
Progresso
Science and technology were developing at a prodigious speed, and it seemed natural to assume that they would go on developing. This failed to happen , partly because of the impoverishment caused by a long series of wars and revolutions, partly because scientific and technical progress depended on the empirical habit of thought, which could not survive in a strictly regimented society.
George Orwell, 1984.
George Orwell, 1984.
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Disse "opções" ?
Deu hoje entrada, na Assembleia da República, o documento governamental com a proposta das Grandes Opções do Plano para 2013. Mais um documento pobre, em matéria de ensino superior.
No espaço de uma página apresenta-se um diagnóstico vago (A rede de instituições apresenta-se heterogénea e desequilibrada, coexistindo situações de elevada qualidade com casos problemáticos nos planos pedagógico, científico e de sustentabilidade) e enunciam-se três objetivos estratégicos, acompanhados com exemplos de ações desencadeadas em 2012!
Vamos aos objetivos.
1) Melhorar a qualidade de ensino superior em Portugal. Melhorar é sempre bom, e consensual. Sobre o como, nada é dito. Afirma-se, somente, que o Regime Jurídico das Instiuições de Ensino Superior está em revisão; no segredo dos gabinetes, presume-se, já que nada foi dito, pelo menos publicamente, sobre os problemas do regime atual ou o sentido da mudança. Afirma-se ainda que a Agência responsável pela avaliação e acreditação está, ela própria, a ser avaliada. Sobre os "casos problemáticos", casos presume-se que identificados, nada. São muitos? Dramáticos? Os problemas de sustentabilidade, científicos ou pedagógicos serão resolvidos por artes de novas leis? As existentes não permitem atuar?
2) Racionalizar a rede de instituições (ainda e sempre presente nos discursos e nos papéis). Pistas? Nada. Identificação do que é irracional? Zero. Ponto seguinte: melhorar o ajustamento da oferta formativa às necessidades do País, remetendo para as regras já utilizadas este ano para fixar as vagas dos ciclos de licenciatura e mestrado integrado. Sobre as "necessidades do País", em termos de formação superior, fica o silêncio. Serão definidas pela procura pelos estudantes (candidaturas) e pelo emprego (ou inscritos em centros de emprego) numa economia em recessão? É provável. E provavelmente desadequado.
3) Melhorar as políticas de apoio social, referindo-se que foi já revisto o Regulamento de Bolsas e mantido o sistemas de empréstimos. Pelos vistos nada há a fazer para 2013. Já está feito.
Já devo ter usado mais carateres que o Governo. Objetivos: melhorar, melhorar e melhorar. Opções: inexistentes. Estratégia: palavra de sentido demasiado complexo.
Termino com a referência do Conselho Económico Social sobre esta matéria, no seu parecer sobre as Grandes Opções: "Para além da proteção social direta, a responsabilidade social do Estado envolve ainda a educação e saúde. Da leitura das GOP não se infere claramente uma estratégia para estes dois sectores.".
No espaço de uma página apresenta-se um diagnóstico vago (A rede de instituições apresenta-se heterogénea e desequilibrada, coexistindo situações de elevada qualidade com casos problemáticos nos planos pedagógico, científico e de sustentabilidade) e enunciam-se três objetivos estratégicos, acompanhados com exemplos de ações desencadeadas em 2012!
Vamos aos objetivos.
1) Melhorar a qualidade de ensino superior em Portugal. Melhorar é sempre bom, e consensual. Sobre o como, nada é dito. Afirma-se, somente, que o Regime Jurídico das Instiuições de Ensino Superior está em revisão; no segredo dos gabinetes, presume-se, já que nada foi dito, pelo menos publicamente, sobre os problemas do regime atual ou o sentido da mudança. Afirma-se ainda que a Agência responsável pela avaliação e acreditação está, ela própria, a ser avaliada. Sobre os "casos problemáticos", casos presume-se que identificados, nada. São muitos? Dramáticos? Os problemas de sustentabilidade, científicos ou pedagógicos serão resolvidos por artes de novas leis? As existentes não permitem atuar?
2) Racionalizar a rede de instituições (ainda e sempre presente nos discursos e nos papéis). Pistas? Nada. Identificação do que é irracional? Zero. Ponto seguinte: melhorar o ajustamento da oferta formativa às necessidades do País, remetendo para as regras já utilizadas este ano para fixar as vagas dos ciclos de licenciatura e mestrado integrado. Sobre as "necessidades do País", em termos de formação superior, fica o silêncio. Serão definidas pela procura pelos estudantes (candidaturas) e pelo emprego (ou inscritos em centros de emprego) numa economia em recessão? É provável. E provavelmente desadequado.
3) Melhorar as políticas de apoio social, referindo-se que foi já revisto o Regulamento de Bolsas e mantido o sistemas de empréstimos. Pelos vistos nada há a fazer para 2013. Já está feito.
Já devo ter usado mais carateres que o Governo. Objetivos: melhorar, melhorar e melhorar. Opções: inexistentes. Estratégia: palavra de sentido demasiado complexo.
Termino com a referência do Conselho Económico Social sobre esta matéria, no seu parecer sobre as Grandes Opções: "Para além da proteção social direta, a responsabilidade social do Estado envolve ainda a educação e saúde. Da leitura das GOP não se infere claramente uma estratégia para estes dois sectores.".
sábado, 29 de setembro de 2012
1,25%
Faltam sempre milhares de milhões nas contas pública! Neste ano, por exemplo: receitas fiscais abaixo do previsto - 2530 milhões; agravamento das contas da Segurança Social - 700 milhões ou mais; em consequência, medidas extraordinárias - cerca de 2700 milhões. Para 2013, e tendo em consideração a necessidade de alterar as medidas inconstitucionais, compensar a "quebra do crescimento" (mistificadora linguagem) e maiores encargos com juros - qualquer coisa como 5000 milhões de euros.
Procura-se remediar, como sempre, seja alterando os objetivos, já perto da meta, seja recorrendo a toda uma série de medidas que deviam ser extraordinárias, e que permitem entrada súbita de receita ou corte rápido na despesa ... do ano. Deviam ser extraordinárias, mas não são. Há muito que passaram a ordinárias, palavra, apropriadamente, com vários sentidos.
Transferem-se fundos de pensões; privatiza-se a correr, com data anunciada e independentemente do número de interessados ou do setor em causa, garantindo, à partida, que o negócio será mau. Perde-se o sentido estratégico. O verdadeiro limite da estratégia é a próxima vinda da troika, a data de libertação da próxima tranche ou o final do ano.
Para trás ficam as reformas, por vezes iniciadas, mas que exigem tempo, reflexão, discussão, aceitação. Isto, claro, se se pretender que produzam efeitos; que sejam duradouras; que realmente permitam mudanças na sociedade e na economia; que sejam suportáveis e que permitam vislumbrar um futuro melhor. As tais reformas que estavam na base do "ajustamento", outra palavra enganadora, a que, por vezes, juntam "violento". Deve significar qualquer coisa como tentar colocar um cubo dentro de um cilindro, demasiado pequeno, com o auxílio de martelo.
Vi hoje, no Expresso, um número referente ao orçamento de 2012: 8810 milhões de euros gastos em juros. É mais do que o gasto com o serviço nacional de saúde. São, claro, o resultado de um montante em dívida muito elevado, mas também das taxas de juro impostas. Não resisti a um cálculo rápido: se fosse possível reduzir este montante em 1,25%, reduziríamos a despesa, apenas por esta via, em 110 milhões de euros; e com 2% chegaríamos aos 175 milhões de euros. Milhões que não seriam retirados da economia; milhões que não seriam retirados às pessoas; milhões que poderiam ajudar a dar tempo para mudar com sentido. Milhões que, no final, poderiam contribuir para, de facto, virmos a conseguir pagar o montante que devemos. E se juntarmos os milhões que não se teriam que gastar em 2013, 2014, 2015, ...
Procura-se remediar, como sempre, seja alterando os objetivos, já perto da meta, seja recorrendo a toda uma série de medidas que deviam ser extraordinárias, e que permitem entrada súbita de receita ou corte rápido na despesa ... do ano. Deviam ser extraordinárias, mas não são. Há muito que passaram a ordinárias, palavra, apropriadamente, com vários sentidos.
Transferem-se fundos de pensões; privatiza-se a correr, com data anunciada e independentemente do número de interessados ou do setor em causa, garantindo, à partida, que o negócio será mau. Perde-se o sentido estratégico. O verdadeiro limite da estratégia é a próxima vinda da troika, a data de libertação da próxima tranche ou o final do ano.
Para trás ficam as reformas, por vezes iniciadas, mas que exigem tempo, reflexão, discussão, aceitação. Isto, claro, se se pretender que produzam efeitos; que sejam duradouras; que realmente permitam mudanças na sociedade e na economia; que sejam suportáveis e que permitam vislumbrar um futuro melhor. As tais reformas que estavam na base do "ajustamento", outra palavra enganadora, a que, por vezes, juntam "violento". Deve significar qualquer coisa como tentar colocar um cubo dentro de um cilindro, demasiado pequeno, com o auxílio de martelo.
Vi hoje, no Expresso, um número referente ao orçamento de 2012: 8810 milhões de euros gastos em juros. É mais do que o gasto com o serviço nacional de saúde. São, claro, o resultado de um montante em dívida muito elevado, mas também das taxas de juro impostas. Não resisti a um cálculo rápido: se fosse possível reduzir este montante em 1,25%, reduziríamos a despesa, apenas por esta via, em 110 milhões de euros; e com 2% chegaríamos aos 175 milhões de euros. Milhões que não seriam retirados da economia; milhões que não seriam retirados às pessoas; milhões que poderiam ajudar a dar tempo para mudar com sentido. Milhões que, no final, poderiam contribuir para, de facto, virmos a conseguir pagar o montante que devemos. E se juntarmos os milhões que não se teriam que gastar em 2013, 2014, 2015, ...
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
O regresso dos mutantes
De acordo com o Comunicado do Conselho de Ministros, de hoje, o Governo aprovou um diploma que estabelece um regime transitório aplicável à transformação de instituições universitárias em instituições de ensino superior politécnico, criando um período de dezoito meses para adaptação às regras de composição do respetivo corpo docente.
Transformação de instituições universitárias em instituições de ensino superior politécnico? Eis algo verdadeiramente invulgar! A menos que se trate de um lapso do comunicado. Transformações inversas são mais comuns, como aconteceu, por exemplo, no Reino-Unido, em 1992, criando as instituições globalmente conhecidas como Universidades Pós-92.
Mais estranho ainda quando denota um sentido de urgência - regime transitório; período de transição de 18 meses - parecendo uma medida "à medida" de alguma situação concreta.
E, embora infelizmente já se estranhe menos, trata-se de uma inciativa que aparece sem qualquer enquadramento político (apenas a lacónica referência citada), desligada da discussão sobre a rede do ensino superior (sempre por realizar), da avaliação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (por fazer) ou da revisão do mesmo (esta já mencionada pelo Ministro da Educação e Ciência, há pouco tempo atrás).
Vamos ver de que tipo de diploma se trata, e qual o seu conteúdo.
Mais um assunto a seguir ...
Transformação de instituições universitárias em instituições de ensino superior politécnico? Eis algo verdadeiramente invulgar! A menos que se trate de um lapso do comunicado. Transformações inversas são mais comuns, como aconteceu, por exemplo, no Reino-Unido, em 1992, criando as instituições globalmente conhecidas como Universidades Pós-92.
Mais estranho ainda quando denota um sentido de urgência - regime transitório; período de transição de 18 meses - parecendo uma medida "à medida" de alguma situação concreta.
E, embora infelizmente já se estranhe menos, trata-se de uma inciativa que aparece sem qualquer enquadramento político (apenas a lacónica referência citada), desligada da discussão sobre a rede do ensino superior (sempre por realizar), da avaliação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (por fazer) ou da revisão do mesmo (esta já mencionada pelo Ministro da Educação e Ciência, há pouco tempo atrás).
Vamos ver de que tipo de diploma se trata, e qual o seu conteúdo.
Mais um assunto a seguir ...
domingo, 16 de setembro de 2012
Uma questão de confiança
É um lugar comum dizer-se que Portugal tem falta de competitividade.
É o lugar em que estamos.
Mas nem todos os problemas se resolvem com financiamento, com novas leis, com procedimentos, com a intervenção do Estado.
Melhor, nem todos os problemas precisam dessa intervenção para serem resolvidos.
Fala-se muito de confiança,ou da falta dela, no Estado, nos políticos, nas instituições.
Fala-se pouco da confiança, ou da falta dela no colega, no superior, no subordinado, no outro!
Vem isto a propósito de um número que li num artigo de opinião de Adrián Caldart, no Expresso de ontem. Números valem o que valem, mas por vezes são o suficiente para despertar curiosidade e umas notas de reflexão.
Aqui fica: Portugal figura em 95.º lugar (!), num total de 144 países, num indicador cuja designação pode ser traduzida por qualquer coisa como vontade, ou disponibilidade, para delegar autoridade (dados do The Global Competitiveness Report 2012-2013, do Fórum Económico Global).
Ora este lugar, medíocre, é conferido por uma pontuação de 3,4 numa escala de 1 (todas as decisões importantes são controladas pela gestão de topo) a 7 (autoridade maioritariamente delegada aos diretores de unidades de negócio e a outros gestores de níveis inferiores), e encontra-se inserido num conjunto de indicadores que pretendem aferir sobre a sofisticação da área de negócios de cada País.
Não delegar é desconfiar. Não delegar é centralizar. Centralizar em poucos. Frustrar muitos. Sobrecarregar poucos. Limitar muitos. Não deixar decidir quem tem competência para o fazer. Quem tem treino para o fazer. Quem tem formação para o fazer. Não delegar perpetua a não delegação. Cria o conforto de que "alguém" decide. "Alguém" corre os riscos. "Alguém" ficará com as culpas. Cria também o conforto de um aparente controlo, em que tudo é decidido, coerentemente, ao máximo nível. Aparente porque a decisão é ineficiente e ineficaz. Não delegar custa tempo. Custa dinheiro. Custa competitividade.
E isto não se passa apenas nas empresas, mas também em muitas outras instituições.
Vamos mudar?
É o lugar em que estamos.
Mas nem todos os problemas se resolvem com financiamento, com novas leis, com procedimentos, com a intervenção do Estado.
Melhor, nem todos os problemas precisam dessa intervenção para serem resolvidos.
Fala-se muito de confiança,ou da falta dela, no Estado, nos políticos, nas instituições.
Fala-se pouco da confiança, ou da falta dela no colega, no superior, no subordinado, no outro!
Vem isto a propósito de um número que li num artigo de opinião de Adrián Caldart, no Expresso de ontem. Números valem o que valem, mas por vezes são o suficiente para despertar curiosidade e umas notas de reflexão.
Aqui fica: Portugal figura em 95.º lugar (!), num total de 144 países, num indicador cuja designação pode ser traduzida por qualquer coisa como vontade, ou disponibilidade, para delegar autoridade (dados do The Global Competitiveness Report 2012-2013, do Fórum Económico Global).
Ora este lugar, medíocre, é conferido por uma pontuação de 3,4 numa escala de 1 (todas as decisões importantes são controladas pela gestão de topo) a 7 (autoridade maioritariamente delegada aos diretores de unidades de negócio e a outros gestores de níveis inferiores), e encontra-se inserido num conjunto de indicadores que pretendem aferir sobre a sofisticação da área de negócios de cada País.
Não delegar é desconfiar. Não delegar é centralizar. Centralizar em poucos. Frustrar muitos. Sobrecarregar poucos. Limitar muitos. Não deixar decidir quem tem competência para o fazer. Quem tem treino para o fazer. Quem tem formação para o fazer. Não delegar perpetua a não delegação. Cria o conforto de que "alguém" decide. "Alguém" corre os riscos. "Alguém" ficará com as culpas. Cria também o conforto de um aparente controlo, em que tudo é decidido, coerentemente, ao máximo nível. Aparente porque a decisão é ineficiente e ineficaz. Não delegar custa tempo. Custa dinheiro. Custa competitividade.
E isto não se passa apenas nas empresas, mas também em muitas outras instituições.
Vamos mudar?
sábado, 4 de agosto de 2012
Autonomia reforçada (I)
Autonomia reforçada. Este é o novo chavão, ainda por definir, pelo menos de modo público e transparente, no ensino superior público. É, desde logo, a expressão utilizada no compromisso assumido pelo Governo, e traduzida no protocolo celebrado entre o Estado, a Universidade de Lisboa e a Universidade Técnica de Lisboa, tendo em vista a fusão destas duas universidades: "O Governo compromete-se a aplicar à nova universidade de Lisboa um quadro jurídico de autonomia reforçada,...".
O Governo não explica que conceito é este, remetendo a clarificação para uma proposta de alteração ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), a apresentar ao parlamento. É, portanto, um processo que se apresenta invertido desde início: anuncia-se uma designação para um novo quadro jurídico; compromete-se desde já a sua aplicação a um caso específico e calendarizado; e só depois se apresentará a proposta de Lei, que carece, naturalmente de discussão e aprovação! Fica ainda por esclarecer quais serão as condições de acesso a este estatuto, ou mesmo se se aplicará a todas as instituições.
Aquando do RJIES o processo foi significativamente diferente: foi aprovada uma Lei que permitia a criação de fundações públicas com regime de direito privado, que "... dispõem de autonomia nos mesmos termos das demais instituições de ensino superior públicas, com as devidas adaptações decorrentes daquela natureza."; a Lei definia o processo que conduzia à eventual transformação em fundação; cada instituição, em prazo curto à data, é certo, decidiu sobre o início, ou não, desse processo; só depois, e em 3 casos (Aveiro, ISCTE, Porto), se passou à elaboração dos diplomas de criação das universidades-fundação, quase ano e meio após a publicação da Lei.
Para perceber o que já pode estar nas cartas, vale a pena ler o documento público de suporte ao processo de fusão, aprovado pelas universidades de Lisboa e Técnica de Lisboa, em abril passado, onde a palavra "autonomia" consta 89 vezes, entre corpo principal e anexos, e a expressão "autonomia reforçada" surge por 3 vezes, incidindo, sobretudo, em aspetos relacionados com a gestão.
A continuar ...
O Governo não explica que conceito é este, remetendo a clarificação para uma proposta de alteração ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), a apresentar ao parlamento. É, portanto, um processo que se apresenta invertido desde início: anuncia-se uma designação para um novo quadro jurídico; compromete-se desde já a sua aplicação a um caso específico e calendarizado; e só depois se apresentará a proposta de Lei, que carece, naturalmente de discussão e aprovação! Fica ainda por esclarecer quais serão as condições de acesso a este estatuto, ou mesmo se se aplicará a todas as instituições.
Aquando do RJIES o processo foi significativamente diferente: foi aprovada uma Lei que permitia a criação de fundações públicas com regime de direito privado, que "... dispõem de autonomia nos mesmos termos das demais instituições de ensino superior públicas, com as devidas adaptações decorrentes daquela natureza."; a Lei definia o processo que conduzia à eventual transformação em fundação; cada instituição, em prazo curto à data, é certo, decidiu sobre o início, ou não, desse processo; só depois, e em 3 casos (Aveiro, ISCTE, Porto), se passou à elaboração dos diplomas de criação das universidades-fundação, quase ano e meio após a publicação da Lei.
Para perceber o que já pode estar nas cartas, vale a pena ler o documento público de suporte ao processo de fusão, aprovado pelas universidades de Lisboa e Técnica de Lisboa, em abril passado, onde a palavra "autonomia" consta 89 vezes, entre corpo principal e anexos, e a expressão "autonomia reforçada" surge por 3 vezes, incidindo, sobretudo, em aspetos relacionados com a gestão.
A continuar ...
sábado, 28 de julho de 2012
Mitos
"Notas sobre o ensino superior" no Click, Antena 1.
Estão a decorrer as candidaturas para acesso ao ensino superior, altura em que milhares de estudantes finalizam as suas escolhas. Fazem-no num momento em que continua a crescer o desemprego de pessoas qualificadas e de jovens; em que é frequente ouvir-se um discurso que questiona, quando não desvaloriza, o ensino superior; e em que a escolha certa se parece centrar, cada vez mais, em torno de indicadores simplistas, como a empregabilidade dos cursos.
Este tempo, em que o pensamento crítico é escasso e a comunicação é rápida, cria um terreno propício à génese e propagação de mitos. Mas são mitos que, se aceites, podem vir a condicionar gravemente o futuro individual, o futuro de uma geração e mesmo o nosso futuro coletivo. Eis apenas três.
Mito 1 – Sendo cada vez mais difícil encontrar trabalho, não compensa investir num curso superior. Não é o que os números mostram: o desemprego de diplomados é elevado, sim, mas mais elevado ainda é o desemprego de pessoas com menor escolaridade. Por outro lado, não podemos ignorar o efeito da abertura das fronteiras: a mobilidade de pessoas tornou a concorrência global; estrangeiros trabalham em Portugal; portugueses trabalham no estrangeiro; empresas com dimensão internacional procuram os trabalhadores melhor qualificados, independentemente da sua nacionalidade. Ter um diploma pode não ser suficiente para abrir portas; pode mesmo fechar algumas; não o ter fechará, com certeza, muitas mais.
Mito 2 – As vagas no ensino superior devem ser ajustadas à dimensão do mercado de trabalho. Ora existe, aqui, um desfasamento temporal que é preciso ter em consideração: quem entrar este ano numa universidade, estará no mercado de trabalho, como mestre, apenas em 2018, ou 2019; é para esse futuro que definimos a atual oferta de formação, e não para o mercado em recessão de 2012.
Mito 3 – Portugal tem excesso de diplomados. Este não resiste a uma comparação com dados de outros países, da Europa ou da OCDE, e na qual apresentamos, invariavelmente, uma das menores taxas de diplomados. Se acreditarmos que um futuro melhor passa pelo conhecimento, então temos de recuperar rapidamente o nosso atraso.
Os portugueses precisam de mais formação superior.
Estão a decorrer as candidaturas para acesso ao ensino superior, altura em que milhares de estudantes finalizam as suas escolhas. Fazem-no num momento em que continua a crescer o desemprego de pessoas qualificadas e de jovens; em que é frequente ouvir-se um discurso que questiona, quando não desvaloriza, o ensino superior; e em que a escolha certa se parece centrar, cada vez mais, em torno de indicadores simplistas, como a empregabilidade dos cursos.
Este tempo, em que o pensamento crítico é escasso e a comunicação é rápida, cria um terreno propício à génese e propagação de mitos. Mas são mitos que, se aceites, podem vir a condicionar gravemente o futuro individual, o futuro de uma geração e mesmo o nosso futuro coletivo. Eis apenas três.
Mito 1 – Sendo cada vez mais difícil encontrar trabalho, não compensa investir num curso superior. Não é o que os números mostram: o desemprego de diplomados é elevado, sim, mas mais elevado ainda é o desemprego de pessoas com menor escolaridade. Por outro lado, não podemos ignorar o efeito da abertura das fronteiras: a mobilidade de pessoas tornou a concorrência global; estrangeiros trabalham em Portugal; portugueses trabalham no estrangeiro; empresas com dimensão internacional procuram os trabalhadores melhor qualificados, independentemente da sua nacionalidade. Ter um diploma pode não ser suficiente para abrir portas; pode mesmo fechar algumas; não o ter fechará, com certeza, muitas mais.
Mito 2 – As vagas no ensino superior devem ser ajustadas à dimensão do mercado de trabalho. Ora existe, aqui, um desfasamento temporal que é preciso ter em consideração: quem entrar este ano numa universidade, estará no mercado de trabalho, como mestre, apenas em 2018, ou 2019; é para esse futuro que definimos a atual oferta de formação, e não para o mercado em recessão de 2012.
Mito 3 – Portugal tem excesso de diplomados. Este não resiste a uma comparação com dados de outros países, da Europa ou da OCDE, e na qual apresentamos, invariavelmente, uma das menores taxas de diplomados. Se acreditarmos que um futuro melhor passa pelo conhecimento, então temos de recuperar rapidamente o nosso atraso.
Os portugueses precisam de mais formação superior.
quarta-feira, 25 de julho de 2012
(Con)viver com a incerteza
Vida; incerteza; sonho; liberdade; escolha; aventura; descoberta; surpresa.
Vida; incerteza; sombras; receio; paralisia.
Equilíbrio-desiquilíbrio; conforto-desconforto; imitar-criar; decidir-seguir; acreditar-duvidar.
Racional; emocional; técnico; social; humano.
"There are no magic algorithms and sets of data that could give us the certainty we would like. We should not pretend we have the answers, even when clever people have done all the calculations, using advance techniques and what would once have been inconceivable computer power."
Verdade e ilusão: quanto precisamos de cada?
Expetativas positivas e negativas: deixar outros criá-las? deixar outros geri-las?
Convencer; convencer-se; ser convencido.
"For the pundits, politicians and policy makers: - When advising propsective students: be circumspect; - In policy discussions: do not treat what are uncertains estimates as hard facts."
Optimismo; realismo; pessimismo; ceticismo.
Gradações de cores ou de cinzas.
Factos e opiniões.
Meios e fins.
"I am not naive enough to believe these strictures will be widely adopted, but I make them all the same."
As citações foram retiradas de uma intervenção de John Thompson, numa palestra sobre o retorno do investimento no ensino superior, organizada pelo Higher Education Policy Institute.
Vida; incerteza; sombras; receio; paralisia.
Equilíbrio-desiquilíbrio; conforto-desconforto; imitar-criar; decidir-seguir; acreditar-duvidar.
Racional; emocional; técnico; social; humano.
"There are no magic algorithms and sets of data that could give us the certainty we would like. We should not pretend we have the answers, even when clever people have done all the calculations, using advance techniques and what would once have been inconceivable computer power."
Verdade e ilusão: quanto precisamos de cada?
Expetativas positivas e negativas: deixar outros criá-las? deixar outros geri-las?
Convencer; convencer-se; ser convencido.
"For the pundits, politicians and policy makers: - When advising propsective students: be circumspect; - In policy discussions: do not treat what are uncertains estimates as hard facts."
Optimismo; realismo; pessimismo; ceticismo.
Gradações de cores ou de cinzas.
Factos e opiniões.
Meios e fins.
"I am not naive enough to believe these strictures will be widely adopted, but I make them all the same."
As citações foram retiradas de uma intervenção de John Thompson, numa palestra sobre o retorno do investimento no ensino superior, organizada pelo Higher Education Policy Institute.
terça-feira, 24 de julho de 2012
Financiamento do Ensino Superior (III) - Flash(pouco)back
A Lusa noticia, hoje, a propósito da preparação do orçamento para 2013: "O presidente do CRUP queixou-se da falta de diálogo com o governo, afirmando que, desta vez, a tutela nem ouviu os reitores antes de lhes mandar as propostas de dotação orçamental. "Pela primeira vez em um ano e meio, sentimos que o CRUP ficou, por assim dizer, fora de jogo, porque a informação que veio da tutela não foi precedida de um diálogo que é curial manter", criticou."
Ora aqui fica um flash(pouco)back do que escrevi, no último ano, sobre o financiamento do ensino superior.
9 de julho de 2011, a propósito do program de governo:
No segundo caso, o do financiamento (única área cuja legislação não foi profundamente alterada desde 2003) o governo preconiza a "discussão do modelo de financiamento do ensino superior, com vista, por um lado, a uma maior estabilidade e previsibilidade e, por outro, à consideração de factores de qualidade da actividade e de incentivos ao seu melhoramento".
31 de outubro de 2011, sobre uma entrevista do Ministro da Educação e Ciência ao jornal Público:
Sobre financiamento: "Vamos ter de repensar isso tudo [fórmula de financiamento] para o ano." E à pergunta sobre que critérios poderão entrar responde: "Vamos pensar nisso". Compreende-se que o tempo foi pouco, desde a tomada de posse até agora, se tivermos em conta a necessidade de lidar com dois ministérios, iniciar o ano letivo, concluir o processo negocial da avaliação dos docentes do básico e secundário, estabelecer o orçamento para 2012. Mas a atual lei do financiamento data já de 2003 e elenca vários critérios a adoptar, relacionados com o número de alunos, o corpo docente e indicadores de qualidade, entre outros. Era de esperar que, pelo menos, fossem referidos os aspetos tidos com mais importantes.
19 de novembro de 2011, e o relatório do OE para 2012:
O relatório do Orçamento de Estado para 2012, entregue na Assembleia da República inclui, como medida a implementar durante o próximo ano, a "Adoção de novas regras para o financiamento público do Ensino Superior, reforçando a aplicação de critérios de qualidade". Um modelo de financiamento pode incluir várias componentes, e seria desejável uma discussão abrangente, mas é provável que tudo se centre no que se designa por fórmula de financiamento.
31 de março de 2012, no click:
A Lei do Financiamento em vigor data de 2003, e prevê que o valor a transferir seja calculado através de uma fórmula. As fórmulas podem ser simples e transparentes. Ou complexas e opacas. No Ensino Superior encontramos uma terceira espécie: as fórmulas mutantes, que variam de ano para ano, sem discussão ou justificação política.
9 de maio de 2012, documento de estratégia orçamental:
... a despesa com Ciência e Ensino Superior será reduzida em 2,5% em 2013, passando de 1.238 para 1.208 milhões de euros.
Em matéria de modelo de financiamento do ensino superior foi um ano perdido.
Ora aqui fica um flash(pouco)back do que escrevi, no último ano, sobre o financiamento do ensino superior.
9 de julho de 2011, a propósito do program de governo:
No segundo caso, o do financiamento (única área cuja legislação não foi profundamente alterada desde 2003) o governo preconiza a "discussão do modelo de financiamento do ensino superior, com vista, por um lado, a uma maior estabilidade e previsibilidade e, por outro, à consideração de factores de qualidade da actividade e de incentivos ao seu melhoramento".
31 de outubro de 2011, sobre uma entrevista do Ministro da Educação e Ciência ao jornal Público:
Sobre financiamento: "Vamos ter de repensar isso tudo [fórmula de financiamento] para o ano." E à pergunta sobre que critérios poderão entrar responde: "Vamos pensar nisso". Compreende-se que o tempo foi pouco, desde a tomada de posse até agora, se tivermos em conta a necessidade de lidar com dois ministérios, iniciar o ano letivo, concluir o processo negocial da avaliação dos docentes do básico e secundário, estabelecer o orçamento para 2012. Mas a atual lei do financiamento data já de 2003 e elenca vários critérios a adoptar, relacionados com o número de alunos, o corpo docente e indicadores de qualidade, entre outros. Era de esperar que, pelo menos, fossem referidos os aspetos tidos com mais importantes.
19 de novembro de 2011, e o relatório do OE para 2012:
O relatório do Orçamento de Estado para 2012, entregue na Assembleia da República inclui, como medida a implementar durante o próximo ano, a "Adoção de novas regras para o financiamento público do Ensino Superior, reforçando a aplicação de critérios de qualidade". Um modelo de financiamento pode incluir várias componentes, e seria desejável uma discussão abrangente, mas é provável que tudo se centre no que se designa por fórmula de financiamento.
31 de março de 2012, no click:
A Lei do Financiamento em vigor data de 2003, e prevê que o valor a transferir seja calculado através de uma fórmula. As fórmulas podem ser simples e transparentes. Ou complexas e opacas. No Ensino Superior encontramos uma terceira espécie: as fórmulas mutantes, que variam de ano para ano, sem discussão ou justificação política.
9 de maio de 2012, documento de estratégia orçamental:
... a despesa com Ciência e Ensino Superior será reduzida em 2,5% em 2013, passando de 1.238 para 1.208 milhões de euros.
Em matéria de modelo de financiamento do ensino superior foi um ano perdido.
sábado, 14 de julho de 2012
Três coisas, mais uma.
"Faltam três coisas. [...] Número um, como disse: qualidade de informação. Número dois: horas livres para a digerirmos. E número três:o direito de realizarmos acções baseadas naquilo que aprendemos da interacção das duas primeiras."
A primeira, paradoxalmente, nesta era da informação, é, desde logo, difícil de obter. Estamos rodeados por muita informação, por pedaços de informação, mais ou menos mastigados, mais ou menos repetidos, competindo uns com os outros por ocupar o espaço na nossa mente. E estamos também rodeados por muita distração, disfarçada de informação, até porque o controlo desta é uma arma estratégica. É, pois, necessário adotar uma atitude ativa de procurar informação de qualidade, separar o essencial do acessório, os cabeçalhos do verdadeiro conteúdo, a leitura de um resumo pela leitura do texto.
A segunda coisa também não é trivial: horas livres para digerir a informação. Condicionados pela pressão da urgência em que se transformou o dia-a-dia, e pela busca de algum lazer, quando tal é possível, vamos deixando a informação acumular-se. Absorvemos pequenas porções, que depois repetimos, mas não chegamos a "grocar", usando a palavra criada pelo escritor de ficção científica Robert Heinlen, com o sentido de plena compreensão.
E, a terceira coisa, agir com base em informação de qualidade e adequadamente digerida. Passar dos pensamentos aos atos. Intervir em vez de delegar. Fazer em vez de esperar que outros façam.
A estas três coisas acrescento mais uma: o direito de discutir e de discordar, sem censuras impostas ou auto-impostas, sem um coro de pensamentos únicos e de caminhos ditos "inevitáveis."
A frase inicial é retirada de uma história sobre um mundo em que as pessoas eram mantidas alienadas, supostamente felizes, e em qualquer elemento suscetível de introduzir desconforto deveria ser eliminado. Uma história na qual os livros foram banidos e os écras tomavam conta das salas de estar. Uma história na qual os bombeiros incendiavam casas e livros. Um livro escrito em 1953: Fahrenheit 451, por Ray Bradbury.
A primeira, paradoxalmente, nesta era da informação, é, desde logo, difícil de obter. Estamos rodeados por muita informação, por pedaços de informação, mais ou menos mastigados, mais ou menos repetidos, competindo uns com os outros por ocupar o espaço na nossa mente. E estamos também rodeados por muita distração, disfarçada de informação, até porque o controlo desta é uma arma estratégica. É, pois, necessário adotar uma atitude ativa de procurar informação de qualidade, separar o essencial do acessório, os cabeçalhos do verdadeiro conteúdo, a leitura de um resumo pela leitura do texto.
A segunda coisa também não é trivial: horas livres para digerir a informação. Condicionados pela pressão da urgência em que se transformou o dia-a-dia, e pela busca de algum lazer, quando tal é possível, vamos deixando a informação acumular-se. Absorvemos pequenas porções, que depois repetimos, mas não chegamos a "grocar", usando a palavra criada pelo escritor de ficção científica Robert Heinlen, com o sentido de plena compreensão.
E, a terceira coisa, agir com base em informação de qualidade e adequadamente digerida. Passar dos pensamentos aos atos. Intervir em vez de delegar. Fazer em vez de esperar que outros façam.
A estas três coisas acrescento mais uma: o direito de discutir e de discordar, sem censuras impostas ou auto-impostas, sem um coro de pensamentos únicos e de caminhos ditos "inevitáveis."
A frase inicial é retirada de uma história sobre um mundo em que as pessoas eram mantidas alienadas, supostamente felizes, e em qualquer elemento suscetível de introduzir desconforto deveria ser eliminado. Uma história na qual os livros foram banidos e os écras tomavam conta das salas de estar. Uma história na qual os bombeiros incendiavam casas e livros. Um livro escrito em 1953: Fahrenheit 451, por Ray Bradbury.
domingo, 1 de julho de 2012
Poder
"A nós, ensinam-nos o axioma de Lord Acton: todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Era nisso que acreditava quando comecei a escrever estes livros, mas agora já não acredito que seja sempre assim. O poder nem sempre corrompe. O poder pode limpar. O que acredito que seja sempre verdade é que o poder é revelador. Quando alguém chega a ter o poder para fazer aquilo que sempre quis, então vêem-se as suas verdadeiras intenções."
Robert Caro, no Expresso.
Do poder como substância tóxica, a que ninguém está imune, ao poder como espelho.
Esta frase, muito mais do que sobre política e poder político, apesar do contexto em que é escrita - uma análise do funcionamento do poder através da investigação da vida do presidente dos EUA Lyndon Johnson - é sobre a relação entre pessoas, aquela onde de facto se confrontam, se exercem, poderes; relações que se mainfestam na vida de cada um, na sociedade, nas organizações e, claro, também na política.
Robert Caro, no Expresso.
Do poder como substância tóxica, a que ninguém está imune, ao poder como espelho.
Esta frase, muito mais do que sobre política e poder político, apesar do contexto em que é escrita - uma análise do funcionamento do poder através da investigação da vida do presidente dos EUA Lyndon Johnson - é sobre a relação entre pessoas, aquela onde de facto se confrontam, se exercem, poderes; relações que se mainfestam na vida de cada um, na sociedade, nas organizações e, claro, também na política.
domingo, 17 de junho de 2012
"Não há remédios técnicos para males éticos"
No sábado, o Público trouxe mais um artigo de Pacheco Pereira, intitulado "Ajustamentos", em que, entres outros aspetos, refletia sobre o uso da linguagem na política, sobre o significado da escolha de palavras e sobre as ideologias. Neste caso sobre a agora omnipresente palavra - ajustamento. Recomendo a leitura.
António Nóvoa, no discurso de 10 de junho, refiriu-se às palavras como meio de "ajudar a pensar, a conversar, a tomar consciência". Orwell, em "1984", apresentava a linguagem como instrumento de manipulação, através do uso deliberado de determinados termos e da supressão de outros. Ambos os usos coexistem.
No Público de hoje foi a vez de ler Bagão Félix, em artigo intitulado "Indigência Moral" e do qual retirei o título para esta entrada de blog. Uma reflexão sobre o papel das elites, as organizações, a relativização de tudo, a diferença entre comportamentos legais e comportamentos éticos. Um pequeno extrato de um artigo para pensar: "Também a linguagem tem sido sujeita a uma anestesia ou mudez moral que favorece o relativismo ético. Hoje o mentiroso não mente. Diz inverdades. Certas fraudes já não o são. Foram promovidas tecnocraticamente a imparidades.Um conflito de interesse até pode não o ser. Diz-se, então, que cria sinergias. A batota depende do batoteiro. A ética do esforço conta menos. Vale mais a esperteza arrivista. O valor da exactidão esvazia-se. O que conta é o calculismo da inexactidão. A flexibilidade é a palavra de ordem para tudo, até mesmo para o caráter e conduta moral. A iconografia do sucesso, mesmo que aparente, substitui a iconografia dos valores, mesmo que imprescindíveis."
António Nóvoa, no discurso de 10 de junho, refiriu-se às palavras como meio de "ajudar a pensar, a conversar, a tomar consciência". Orwell, em "1984", apresentava a linguagem como instrumento de manipulação, através do uso deliberado de determinados termos e da supressão de outros. Ambos os usos coexistem.
No Público de hoje foi a vez de ler Bagão Félix, em artigo intitulado "Indigência Moral" e do qual retirei o título para esta entrada de blog. Uma reflexão sobre o papel das elites, as organizações, a relativização de tudo, a diferença entre comportamentos legais e comportamentos éticos. Um pequeno extrato de um artigo para pensar: "Também a linguagem tem sido sujeita a uma anestesia ou mudez moral que favorece o relativismo ético. Hoje o mentiroso não mente. Diz inverdades. Certas fraudes já não o são. Foram promovidas tecnocraticamente a imparidades.Um conflito de interesse até pode não o ser. Diz-se, então, que cria sinergias. A batota depende do batoteiro. A ética do esforço conta menos. Vale mais a esperteza arrivista. O valor da exactidão esvazia-se. O que conta é o calculismo da inexactidão. A flexibilidade é a palavra de ordem para tudo, até mesmo para o caráter e conduta moral. A iconografia do sucesso, mesmo que aparente, substitui a iconografia dos valores, mesmo que imprescindíveis."
terça-feira, 12 de junho de 2012
Debate vs. soundbytes
Muito se fala de transparência, verdade e virtudes afins. Mas pratica-se pouco.
Um bom exemplo é a apregoada discussão em torno da racionalização da rede do Ensino Superior. Apregoada, mas que, como verdadeira discussão, é inexistente. Senão vejamos. A posição do Governo nesta matéria é desconhecida. Sem comentários! A posição dos partidos não vai além de uns quantos soundbytes tentando compaginar racionalização (leia-se redução de custos), com aumento do acesso, desenvolvimento regional e compromissos locais. Ou seja, sem fazer opções. Artigos de opinião são raros, para além dos que recentemente versam a fusão de duas universidades em Lisboa, o que em si é um mero pormenor da rede, ou a redução da oferta de cursos, questão bastante diferente. Não foram realizados, ou não são conhecidos, estudos que vão para além da compilação de dados do que hoje existe, e que atinjam o "porque existe", o que "poderia existir" ou mesmo o que "gostaria que existisse". Repete-se que temos instituições a mais; e volta-se a repetir; e repete-se porque se ouviu dizer; e passa a ser uma "verdade" comum. Mas não se questiona. Não se pergunta: Para que queremos as instituições? De que instituições precisamos? Onde precisamos delas? Apontam-se alguns dados soltos e comparações internacionais avulsas, com eco na comunicação social, mas sem a devida sustentação.
Vale a pena olhar "lá para fora", com olhos de ver, e também refletir sobre o que se vê. Em Inglaterra o Governo elaborou e submeteu a discussão pública (11 de junho a 11 de setembro de 2011) o "Higher Education White Paper - Students at the Heart of the System". E publicou agora a sua resposta aos contributos recebidos. Eis um extrato da publicação: "We will further stimulate competition in the sector by reducing the ‘numbers’ criterion for university title from 4,000 higher education students to 1,000. This will widen access to university title for smaller, high quality providers". Aumentar a competição permitindo a existência de universidades pequenas mas de elevada qualidade (até soa estranho entre nós). Pode-se concordar ou discordar. Mas essa é a vantagem de se ter ideias, de as discutir e de as comunciar de um modo eficaz. Caso contrário sobra o ruído.
Um bom exemplo é a apregoada discussão em torno da racionalização da rede do Ensino Superior. Apregoada, mas que, como verdadeira discussão, é inexistente. Senão vejamos. A posição do Governo nesta matéria é desconhecida. Sem comentários! A posição dos partidos não vai além de uns quantos soundbytes tentando compaginar racionalização (leia-se redução de custos), com aumento do acesso, desenvolvimento regional e compromissos locais. Ou seja, sem fazer opções. Artigos de opinião são raros, para além dos que recentemente versam a fusão de duas universidades em Lisboa, o que em si é um mero pormenor da rede, ou a redução da oferta de cursos, questão bastante diferente. Não foram realizados, ou não são conhecidos, estudos que vão para além da compilação de dados do que hoje existe, e que atinjam o "porque existe", o que "poderia existir" ou mesmo o que "gostaria que existisse". Repete-se que temos instituições a mais; e volta-se a repetir; e repete-se porque se ouviu dizer; e passa a ser uma "verdade" comum. Mas não se questiona. Não se pergunta: Para que queremos as instituições? De que instituições precisamos? Onde precisamos delas? Apontam-se alguns dados soltos e comparações internacionais avulsas, com eco na comunicação social, mas sem a devida sustentação.
Vale a pena olhar "lá para fora", com olhos de ver, e também refletir sobre o que se vê. Em Inglaterra o Governo elaborou e submeteu a discussão pública (11 de junho a 11 de setembro de 2011) o "Higher Education White Paper - Students at the Heart of the System". E publicou agora a sua resposta aos contributos recebidos. Eis um extrato da publicação: "We will further stimulate competition in the sector by reducing the ‘numbers’ criterion for university title from 4,000 higher education students to 1,000. This will widen access to university title for smaller, high quality providers". Aumentar a competição permitindo a existência de universidades pequenas mas de elevada qualidade (até soa estranho entre nós). Pode-se concordar ou discordar. Mas essa é a vantagem de se ter ideias, de as discutir e de as comunciar de um modo eficaz. Caso contrário sobra o ruído.
sábado, 9 de junho de 2012
O que vemos ao olhar para um telemóvel?
Investigação aplicada, ou nem tanto, nas "Notas sobre o ensino superior" (Click de 9 de junho, Antena 1).
O telemóvel está presente em todo o lado e a todo o momento; através dele falamos a milhares de quilómetros ou a meia dúzia de metros; envia mails; liga-nos à net; permite fazer fotografia, ouvir música e ver vídeo; substitui isqueiros nos concertos e lanternas no escuro. Não precisamos de saber muito para o usar, mas sabemos a falta que faz ficar sem rede, sem bateria ou, pior, sem resposta do outro lado.
O telemóvel está presente em todo o lado e a todo o momento; através dele falamos a milhares de quilómetros ou a meia dúzia de metros; envia mails; liga-nos à net; permite fazer fotografia, ouvir música e ver vídeo; substitui isqueiros nos concertos e lanternas no escuro. Não precisamos de saber muito para o usar, mas sabemos a falta que faz ficar sem rede, sem bateria ou, pior, sem resposta do outro lado.
E o que vemos ao olhar para um telemóvel? Talvez a cor, a marca ou o tamanho … No entanto há todo um universo escondido, ainda que já descoberto, para além da superfície. Podemos vislumbrar as formações geológicas, o petróleo que nelas se esconde e a química que o transforma em plástico colorido. Podemos tocar materiais raros, como o selénio e o ouro, extraídos das entranhas da terra e alinhados na tabela periódica de Mendeleev. Conseguimos seguir a radiação electromagnética, através das camadas da atmosfera, de antena para antena, revisitando Maxwell e Hertz. Ou entrar nas células humanas para compreender a interação entre a radiação e a vida. Acompanhamos as órbitas dos satélites e o lançamento de foguetões, na companhia de Kepler, Newton ou Tsiolkowski. Usamos as leis da ótica para focar imagens e a micro-eletrónica para as gravar. Ouvimos os códigos que comprimem sons e imagens, e que permitem que as máquinas falem entre si. E vemos um sem número de símbolos, de equações e de teoremas matemáticos, traçados desde Pitágoras a Von Neumann, e com os quais descrevemos a natureza e os nossos próprios pensamentos.
O telemóvel é um exemplo notável de investigação aplicada, que origina empresas e postos de trabalho, e alimenta um negócio de milhões.
Mas é preciso não esquecer que as aplicações de hoje emergem do conhecimento desenvolvido e transmitido ao longo dos séculos; gerado, acima de tudo, pela vontade de compreender e de criar; e a que outros darão, um dia, usos nunca antes imaginados.
Esta investigação, que não tem tradução visível no aumento do PIB, no equilíbrio da balança comercial ou na redução do desemprego, não é um luxo. É antes a continuação do caminho que nos trouxe ao que somos hoje e ao que seremos amanhã; é indissociável da natureza humana; e é parte integrante da missão das Universidades.
quinta-feira, 7 de junho de 2012
Outubro 2002 - A praia
Marte era uma praia distante, e os homens espalhavam-se por ela em ondas. Cada onda era diferente e cada onda era mais forte. A primeira onda trouxera consigo homens habituados ao espaço e ao frio e a estar sós, os exploradores, os mineiros e os cientistas, prontos a tudo, valentes e aventureiros. Marte não os assustava pois estavam habituados ao perigo e às empresas arrojadas. Vieram e conseguiram tornar Marte mais habitável, mais confortável, para que os outros tivessem suficiente coragem para os seguir. Construíram, estudaram, descobriram, organizaram as futuras colónias e planearam a urbanização do planeta.
Tinham sido os primeiros homens.
Todos sabem quem foram as primeiras mulheres.
Os segundos homens deviam ter vindo de outros países com outras ideias e outras civilizações. Mas os foguetões eram americanos e os homens de Marte eram todos americanos e assim continuava enquanto a Europa e a Ásia e a América do Sul e a Austrália ficavam para trás sem saber bem que atitude tomar. O resto do mundo estava enterrado na guerra ou em pensamento de guerra.
Por isso os segundos homens foram também americanos. Vieram dos diversos estados e das plantações do interior, e encontraram repouso e paz na companhia dos silenciosos pioneiros que sabiam servir-se do silêncio como meio de conseguir paz depois da vida turbulenta das cidades americanas.
E entre os segundos homens que vieram para Marte havia homens que, pelos seus olhos, pareciam ir em busca de Deus...
Crónicas Marcianas (1951) de Ray Bradbury (22 de agosto de 1920 - 6 de junho de 2012)
Tinham sido os primeiros homens.
Todos sabem quem foram as primeiras mulheres.
Os segundos homens deviam ter vindo de outros países com outras ideias e outras civilizações. Mas os foguetões eram americanos e os homens de Marte eram todos americanos e assim continuava enquanto a Europa e a Ásia e a América do Sul e a Austrália ficavam para trás sem saber bem que atitude tomar. O resto do mundo estava enterrado na guerra ou em pensamento de guerra.
Por isso os segundos homens foram também americanos. Vieram dos diversos estados e das plantações do interior, e encontraram repouso e paz na companhia dos silenciosos pioneiros que sabiam servir-se do silêncio como meio de conseguir paz depois da vida turbulenta das cidades americanas.
E entre os segundos homens que vieram para Marte havia homens que, pelos seus olhos, pareciam ir em busca de Deus...
Crónicas Marcianas (1951) de Ray Bradbury (22 de agosto de 1920 - 6 de junho de 2012)
sexta-feira, 1 de junho de 2012
Alienação
A nossa envolvente muda muito rapidamente: as roupas, os objetos, as paisagens construídas e destruídas, a maneira de fazer memória. Talvez por isso tenhamos a tendência a acreditar que a história, as histórias, não se repetem; que as circunstâncias de um tempo são diferentes das de outro tempo, e que isso faz toda a diferença; que o conhecimento e a capacidade de hoje levará a soluções distintas; que hoje somos os protagonistas. Mas o Homem, na sua essência, não muda a esta velocidade. Os contos revivem sentimentos já contados, ainda que envolvidos noutros cenários. E, também por isso, vale a pena ler escritos do passado, onde, por vezes, nos cruzamos com o presente.
Tudo isto a propósito de um texto que hoje li, e que acabou de fazer 40 anos. 1972 era um outro mundo, em plena guerra fria entre os EUA e a já desaparecida União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; antes do choque petrolífero de 73, do 25 de abril de 74 ou do acidente nuclear de Three Mile Island; a gasolina tinha chumbo e o homem abandonava, nesse mesmo ano, os voos espaciais em direção à Lua; o computador pessoal, a internet e os dispositivos de comunicação pessoal eram ainda sonhos.
Foi nesse outro mundo que James Reid se dirigiu à Universidade de Glasgow, começando com estas palavras: "Alienation is the precise and correct word for describing the major social problem in Britain today. People feel alienated by society. In some intellectual circles it is treated almost as a new phenomenon. It has, however, been with us for years. What I believe to be true is that today it is more widespread, more pervasive than ever before. Let me right at the outset define what I mean by alienation. It is the cry of men who feel themselves the victims of blind economic forces beyond their control. It is the frustration of ordinary people excluded from the process of decision making. The feeling of despair and hopelessness that pervades people who feel with justification that they have no real say in shaping or determining their own destinies."
E continua, com muito mais para dizer, sobre a organização da sociedade, a atenção aos outros, o papel do ensino, o emprego e o desemprego. Vale a pena ler (www.gla.ac.uk/media/media_167194_en.pdf) até porque, afinal, o Homem não mudou assim tanto desde 1972.
Tudo isto a propósito de um texto que hoje li, e que acabou de fazer 40 anos. 1972 era um outro mundo, em plena guerra fria entre os EUA e a já desaparecida União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; antes do choque petrolífero de 73, do 25 de abril de 74 ou do acidente nuclear de Three Mile Island; a gasolina tinha chumbo e o homem abandonava, nesse mesmo ano, os voos espaciais em direção à Lua; o computador pessoal, a internet e os dispositivos de comunicação pessoal eram ainda sonhos.
Foi nesse outro mundo que James Reid se dirigiu à Universidade de Glasgow, começando com estas palavras: "Alienation is the precise and correct word for describing the major social problem in Britain today. People feel alienated by society. In some intellectual circles it is treated almost as a new phenomenon. It has, however, been with us for years. What I believe to be true is that today it is more widespread, more pervasive than ever before. Let me right at the outset define what I mean by alienation. It is the cry of men who feel themselves the victims of blind economic forces beyond their control. It is the frustration of ordinary people excluded from the process of decision making. The feeling of despair and hopelessness that pervades people who feel with justification that they have no real say in shaping or determining their own destinies."
E continua, com muito mais para dizer, sobre a organização da sociedade, a atenção aos outros, o papel do ensino, o emprego e o desemprego. Vale a pena ler (www.gla.ac.uk/media/media_167194_en.pdf) até porque, afinal, o Homem não mudou assim tanto desde 1972.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
1 000 000 000
Mil milhões de euros é o valor de uma linha de apoio que permitirá às autarquias pagar, apenas, as dívidas de curto prazo.
Mil milhões de euros é o montante do Orçamento de Estado que será transferido, durante todo o ano de 2012, para os estabelecimentos de ensino superior e serviços de apoio.
Mil milhões de euros é o montante do Orçamento de Estado que será transferido, durante todo o ano de 2012, para os estabelecimentos de ensino superior e serviços de apoio.
quinta-feira, 24 de maio de 2012
Cidadãos do mundo
"With the world becoming a single village, a global family, we now have a core responsibility to be good global citizens, to watch out for each other, to be sensitive to how our actions affect one another - no matter where we live. We need to shed the habits of the past that trapped us in our own mental backyard, or shackled us to the posts of provincialism."
...
"The second lesson: always stood up for your values, your principles, your ideals. When I first interviewed at a law firm, I was told that I would never make partner. When I asked why, they told me it was because I was a woman. So I thanked them, walked out the door, and never looked back. Tough luck, they did not deserve me! Whatever you choose to do in life, let it be infused with a spirit of civic virtue. Make sure that your personal destiny overlaps with the common destiny of humanity. Strive for the common good of all."
Dois pequenos extratos da versão escrita do discurso de Christine Lagarde, diretora do FMI, na Kennedy School. Para ler ou ver em: http://www.imf.org/external/np/speeches/2012/052312.htm.
...
"The second lesson: always stood up for your values, your principles, your ideals. When I first interviewed at a law firm, I was told that I would never make partner. When I asked why, they told me it was because I was a woman. So I thanked them, walked out the door, and never looked back. Tough luck, they did not deserve me! Whatever you choose to do in life, let it be infused with a spirit of civic virtue. Make sure that your personal destiny overlaps with the common destiny of humanity. Strive for the common good of all."
Dois pequenos extratos da versão escrita do discurso de Christine Lagarde, diretora do FMI, na Kennedy School. Para ler ou ver em: http://www.imf.org/external/np/speeches/2012/052312.htm.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Nas nuvens
Ouvi hoje o Primeiro-Ministro a falar sobre o desemprego, e julguei estar a rever o filme Nas nuvens, em que George Clooney representa o papel do despedidor, daquele que, não decidindo, anuncia uma interrupção brusca na vida de outros.
Eis o que disse Pedro Passos Coelho: "Estar desempregado não pode ser, para muita gente, como é ainda hoje em Portugal, um sinal negativo. Despedir-se, ou ser despedido, não tem que ser um estigma. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida. Tem de representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade.".
Ouvi; abanei a cabeça e ouvi novamente; ouvi uma terceira vez e transcrevi com cuidado.
Este é o Primeiro-Ministro de um País que, no fim de 2011, já tinha mais de 600 mil desempregados, dos quais mais de metade o estavam há mais de um ano, e 130 mil tinham menos de 25 anos. Este é o Primeiro-Ministro de um País em que o desemprego continua a aumentar, em que as previsões são sempre revistas em alta e em que o Ministro das Finanças revelou, há dias, que esta evolução é diferente daquilo que a experiência histórica permitia antecipar. Este é o Primeiro-Ministro que, apesar de já não existir crescimento significativo há mais de uma década e o poder de compra das pessoas estar em queda livre, acredita cegamente que basta querer ser empreendedor para mudar de vida.
Não, Sr. Primeiro-Ministro. Ser despedido não representa uma livre escolha. Ser despedido, na atual conjuntura, não representa uma oportunidade de mudar de vida; representa uma mudança obrigatória, para pior. Ser despedido, com estes níveis de desemprego, não representa uma mobilidade da própria sociedade; põe em causa a sociedade, pelo menos tal como a conhecemos.
Sr. Primeiro-Ministro, ser despedido em Portugal, em 2012, só tem um sinal, e é muito negativo.
Eis o que disse Pedro Passos Coelho: "Estar desempregado não pode ser, para muita gente, como é ainda hoje em Portugal, um sinal negativo. Despedir-se, ou ser despedido, não tem que ser um estigma. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida. Tem de representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade.".
Ouvi; abanei a cabeça e ouvi novamente; ouvi uma terceira vez e transcrevi com cuidado.
Este é o Primeiro-Ministro de um País que, no fim de 2011, já tinha mais de 600 mil desempregados, dos quais mais de metade o estavam há mais de um ano, e 130 mil tinham menos de 25 anos. Este é o Primeiro-Ministro de um País em que o desemprego continua a aumentar, em que as previsões são sempre revistas em alta e em que o Ministro das Finanças revelou, há dias, que esta evolução é diferente daquilo que a experiência histórica permitia antecipar. Este é o Primeiro-Ministro que, apesar de já não existir crescimento significativo há mais de uma década e o poder de compra das pessoas estar em queda livre, acredita cegamente que basta querer ser empreendedor para mudar de vida.
Não, Sr. Primeiro-Ministro. Ser despedido não representa uma livre escolha. Ser despedido, na atual conjuntura, não representa uma oportunidade de mudar de vida; representa uma mudança obrigatória, para pior. Ser despedido, com estes níveis de desemprego, não representa uma mobilidade da própria sociedade; põe em causa a sociedade, pelo menos tal como a conhecemos.
Sr. Primeiro-Ministro, ser despedido em Portugal, em 2012, só tem um sinal, e é muito negativo.
Publicado (em versão reduzida) no Jornal Público, Cartas à Diretora, em 15/05/2012
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Compressão
O documento de estratégia orçamental 2012-2016, elaborado pelo Ministério das Finanças, contém o quadro de programação orçamental para os próximos anos, indicando limites de despesa por programas e grupos de programas.
É assim que ficamos a saber, desde já, que os limites de despesa, vinculativos, dos programas da área social (saúde, ensino básico e secundário, ciência e ensino superior, solidariedade e segurança social), serão reduzidos em 3,5% em 2013, e em 1,8% no ano seguinte. E que a despesa com Ciência e Ensino Superior será reduzida em 2,5% em 2013, passando de 1.238 para 1.208 milhões de euros.
Falta ver como será concretizada a compressão.
É assim que ficamos a saber, desde já, que os limites de despesa, vinculativos, dos programas da área social (saúde, ensino básico e secundário, ciência e ensino superior, solidariedade e segurança social), serão reduzidos em 3,5% em 2013, e em 1,8% no ano seguinte. E que a despesa com Ciência e Ensino Superior será reduzida em 2,5% em 2013, passando de 1.238 para 1.208 milhões de euros.
Falta ver como será concretizada a compressão.
sábado, 5 de maio de 2012
Um trekking de alta montanha
Mais umas "Notas sobre o ensino superior", no Click, Antena 1:
(http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c80502)
A linguagem utilizada para falar do ensino superior, como aliás de outras áreas de serviço público, é agora dominada por termos que nos chegam da economia e da actividade privada. Gestão por objetivos, certificação de qualidade, exportação de serviços, quota de mercado, segmentação de públicos, concorrência, alianças estratégicas, fusões e aquisições, captação de investimentos. Estes exemplos revelam, não só a dimensão económica do ensino superior, mas também um modo próprio de pensar o ensino e as suas instituições.
Não admira, por isso, que haja quem olhe para os alunos como clientes num mercado de ensino superior. Clientes que pelas suas escolhas condicionam a oferta. Clientes que pagam um serviço de formação. Clientes que é preciso atrair, satisfazer e fidelizar a uma marca, a uma universidade. Esta é uma visão que tende a acentuar os direitos de uma parte, a dos estudantes-clientes, e os deveres da outra, a das instituições-fornecedoras.
Só que o ensino não é igual a outros serviços. As capacidades que se desenvolvem não são adquiridas através de uma simples transacção, não se podem experimentar antes, não se trocam nem se devolvem, e não se vêm. Resultam do trabalho conjunto entre cliente e fornecedor.
Por isso gosto mais da imagem do ensino superior como desporto-aventura, como um trekking em alta montanha. É uma atividade que requer guias experimentados, com conhecimento e prática; em que são precisos carregadores, uma infra-estrutura adequada e uma logística bem planeada. Haverá experiências diferentes à escolha e programas com distintos graus de dificuldade; é necessário preparação prévia. E nem todas as instituições, nem todos os guias, estão habilitados a oferecer os mesmos pacotes.
Mas no final o caminho é feito pelo cliente: foi ele que escolheu o programa e é ele que anda, que escala, que cai e se levanta, que enfrenta o sol, o vento e a neve. É orientado e auxiliado, mas não transportado. Minimizam-se os riscos, mas não se anulam. O percurso deve ser desafiante e exigente, para que proporcione algo de novo.
O que cada um traz da viagem é, sobretudo, o que descobriu, o que viveu, o que aprendeu sobre si próprio e sobre os outros. Enfim, tudo aquilo que passou a ser parte de si mesmo e que poderá utilizar noutros percursos, ao longo da vida.
(http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c80502)
A linguagem utilizada para falar do ensino superior, como aliás de outras áreas de serviço público, é agora dominada por termos que nos chegam da economia e da actividade privada. Gestão por objetivos, certificação de qualidade, exportação de serviços, quota de mercado, segmentação de públicos, concorrência, alianças estratégicas, fusões e aquisições, captação de investimentos. Estes exemplos revelam, não só a dimensão económica do ensino superior, mas também um modo próprio de pensar o ensino e as suas instituições.
Não admira, por isso, que haja quem olhe para os alunos como clientes num mercado de ensino superior. Clientes que pelas suas escolhas condicionam a oferta. Clientes que pagam um serviço de formação. Clientes que é preciso atrair, satisfazer e fidelizar a uma marca, a uma universidade. Esta é uma visão que tende a acentuar os direitos de uma parte, a dos estudantes-clientes, e os deveres da outra, a das instituições-fornecedoras.
Só que o ensino não é igual a outros serviços. As capacidades que se desenvolvem não são adquiridas através de uma simples transacção, não se podem experimentar antes, não se trocam nem se devolvem, e não se vêm. Resultam do trabalho conjunto entre cliente e fornecedor.
Por isso gosto mais da imagem do ensino superior como desporto-aventura, como um trekking em alta montanha. É uma atividade que requer guias experimentados, com conhecimento e prática; em que são precisos carregadores, uma infra-estrutura adequada e uma logística bem planeada. Haverá experiências diferentes à escolha e programas com distintos graus de dificuldade; é necessário preparação prévia. E nem todas as instituições, nem todos os guias, estão habilitados a oferecer os mesmos pacotes.
Mas no final o caminho é feito pelo cliente: foi ele que escolheu o programa e é ele que anda, que escala, que cai e se levanta, que enfrenta o sol, o vento e a neve. É orientado e auxiliado, mas não transportado. Minimizam-se os riscos, mas não se anulam. O percurso deve ser desafiante e exigente, para que proporcione algo de novo.
O que cada um traz da viagem é, sobretudo, o que descobriu, o que viveu, o que aprendeu sobre si próprio e sobre os outros. Enfim, tudo aquilo que passou a ser parte de si mesmo e que poderá utilizar noutros percursos, ao longo da vida.
A arte da guerra
Um dos princípios formulados por Sun Tzu, no seu tratado sobre a guerra, fala da importância do fator surpresa: "Ataca-o onde ele não está preparado, aparece onde não és esperado.". Esta parece ter sido uma das chaves da campanha do Pingo Doce para o dia 1 de maio; e a surpresa gerada explicará também muitas das reações que se registaram no próprio dia, a quente, e nos dias seguintes, a morno.
Foi uma ação inesperada para os clientes, habituais ou não, que gerou um sentimento de oportunidade única. Foi uma ação inesperada para os sindicatos que a interpretaram como uma concorrência às manifestações e se sentiram como o inimigo. Foi uma surpresa para a comunicação social que procurou as imagens mais fortes, não cuidando de saber se são as mais representativas. Foi uma surpresa para os políticos que tentaram incorporar este objeto estranho, e esta sociedade que de um modo geral lhes passa ao lado, nas suas guerrilhas. Foi uma surpresa para a concorrência do ramo, essa sim o "inimigo" real desta guerra.
Sim, porque campanhas com descontos iguais ou superiores a 50% ocorrem todos os anos, e até várias vezes por ano, sem controvérsia especial: saldos, baixas e rebaixas, promoções de produtos, estreias e lançamentos. Pague 1, leve 2. Com cartão ganha a dobrar. Habilite-se a um sorteio que devolve a totalidade do que gastou. Devolvemos o IVA, o imposto automóvel e qualquer dia o IMI. Só que estas campanhas, por terem entrado nos hábitos e se prolongarem no tempo, são previsíveis, podem ser geridas, não provocam sensação de urgência, de "agora ou nunca", de decisão quase instantânea.
Sim, porque esperar em longas filas para abastecer o carro a um preço mais baixo já não tem o mesmo impacto; ou acampar de véspera para conseguir bilhetes para um concerto; ou demorar horas em pára-arranca a caminho do Algarve,como sucede todos os Verões; ou tentar obter o último I-qualquer coisa; ou passar as mesmas horas em frente a um computador tentando uma pechincha num qualquer site de leilões, enquanto os nossos bytes e os dos outros se atropelam furiosamente na ânsia de chegar às prateleiras e às caixas.
Mas ao fator surpresa junta-se um outro, que não deve ser menorizado nestes tempos de quebra de poder de compra e de qualidade de vida: o facto de alguns - sublinho: alguns - dos produtos em causa serem alimentos e outros bens de consumo corrente. E é aqui que esta promoção se distingue das outras, porque sendo transversal, em lojas com grande variedade de produtos, permitiu a mistura de situações de necessidade real, de muitas pessoas, que tentaram apenas conquistar o direito a um mês menos duro, com situações de mera e legítima oportunidade de outros, na procura de produtos diversos a melhores preços, ainda que perfeitamente supérfluos.
A falta de informação séria sobre o que se passou neste dia 1 permite agitar hipóteses para todos os gostos, o que é normalmente feito como suporte às convicções de cada um: um país em estado de necessidade; um povo consumista; a vitória traiçoeira do grande capital; a quebra de influência dos sindicatos; uma brilhante estratégia de marketing; um serviço aos clientes; uma deficiente regulamentação; o funcionamento do mercado.
A realidade é mais complexa.
Foi uma ação inesperada para os clientes, habituais ou não, que gerou um sentimento de oportunidade única. Foi uma ação inesperada para os sindicatos que a interpretaram como uma concorrência às manifestações e se sentiram como o inimigo. Foi uma surpresa para a comunicação social que procurou as imagens mais fortes, não cuidando de saber se são as mais representativas. Foi uma surpresa para os políticos que tentaram incorporar este objeto estranho, e esta sociedade que de um modo geral lhes passa ao lado, nas suas guerrilhas. Foi uma surpresa para a concorrência do ramo, essa sim o "inimigo" real desta guerra.
Sim, porque campanhas com descontos iguais ou superiores a 50% ocorrem todos os anos, e até várias vezes por ano, sem controvérsia especial: saldos, baixas e rebaixas, promoções de produtos, estreias e lançamentos. Pague 1, leve 2. Com cartão ganha a dobrar. Habilite-se a um sorteio que devolve a totalidade do que gastou. Devolvemos o IVA, o imposto automóvel e qualquer dia o IMI. Só que estas campanhas, por terem entrado nos hábitos e se prolongarem no tempo, são previsíveis, podem ser geridas, não provocam sensação de urgência, de "agora ou nunca", de decisão quase instantânea.
Sim, porque esperar em longas filas para abastecer o carro a um preço mais baixo já não tem o mesmo impacto; ou acampar de véspera para conseguir bilhetes para um concerto; ou demorar horas em pára-arranca a caminho do Algarve,como sucede todos os Verões; ou tentar obter o último I-qualquer coisa; ou passar as mesmas horas em frente a um computador tentando uma pechincha num qualquer site de leilões, enquanto os nossos bytes e os dos outros se atropelam furiosamente na ânsia de chegar às prateleiras e às caixas.
Mas ao fator surpresa junta-se um outro, que não deve ser menorizado nestes tempos de quebra de poder de compra e de qualidade de vida: o facto de alguns - sublinho: alguns - dos produtos em causa serem alimentos e outros bens de consumo corrente. E é aqui que esta promoção se distingue das outras, porque sendo transversal, em lojas com grande variedade de produtos, permitiu a mistura de situações de necessidade real, de muitas pessoas, que tentaram apenas conquistar o direito a um mês menos duro, com situações de mera e legítima oportunidade de outros, na procura de produtos diversos a melhores preços, ainda que perfeitamente supérfluos.
A falta de informação séria sobre o que se passou neste dia 1 permite agitar hipóteses para todos os gostos, o que é normalmente feito como suporte às convicções de cada um: um país em estado de necessidade; um povo consumista; a vitória traiçoeira do grande capital; a quebra de influência dos sindicatos; uma brilhante estratégia de marketing; um serviço aos clientes; uma deficiente regulamentação; o funcionamento do mercado.
A realidade é mais complexa.
terça-feira, 1 de maio de 2012
Press "Pause"
Press "Pause". Tempo e memória; o que se esquece e o que fica gravado. A vertigem dos ritmos de hoje. As modas que, por o serem, não perduram e são incessantemente susbstituídas; estar na moda, estar fora de moda. O vazio gerado pela busca incessante de algo de novo, anulando o significado do ontem e do hoje, rementendo a vida em suspenso para um hipotético amanhã. O ruído de que nos rodeamos; sons que impedem de ver claro e que nos mantêm na corrente. Continue.
"O mais importante é que perdemos a ideia de qualidade. A qualidade de viver. Como é que se reconhece essa qualidade? É aquilo que permanece. A melhor relação de amizade é a que permanece para a vida. A melhor qualidade de um objeto de mobiliário é a sua capacidade de permanecer para lá do tempo. É o que fica. Criámos uma sociedade em que perdemos a noção de qualidade e de permanência. Tudo tem de mudar permanentemente. Quando estamos intoxicados pela ideia de que o novo é, por definição, melhor, perdemos tudo. Com esta perda de qualidade, criámos um gigantesco vazio. E este vazio, a única maneira de lidar com ele é ir à procura de barulho, de coisas. Mas não é sustentável."
Rob Riemen em entrevista, no Expresso de 29 de abril.
"O mais importante é que perdemos a ideia de qualidade. A qualidade de viver. Como é que se reconhece essa qualidade? É aquilo que permanece. A melhor relação de amizade é a que permanece para a vida. A melhor qualidade de um objeto de mobiliário é a sua capacidade de permanecer para lá do tempo. É o que fica. Criámos uma sociedade em que perdemos a noção de qualidade e de permanência. Tudo tem de mudar permanentemente. Quando estamos intoxicados pela ideia de que o novo é, por definição, melhor, perdemos tudo. Com esta perda de qualidade, criámos um gigantesco vazio. E este vazio, a única maneira de lidar com ele é ir à procura de barulho, de coisas. Mas não é sustentável."
Rob Riemen em entrevista, no Expresso de 29 de abril.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Descubra as diferenças
"O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todo ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno comérico definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo."
Um retrato de Portugal escrito em 1871, há 140 anos, em As Farpas, de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão.
Um retrato de Portugal escrito em 1871, há 140 anos, em As Farpas, de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão.
quinta-feira, 12 de abril de 2012
Abaixo de zero. E se ...
O Governo decidiu baixar subitamente a temperatura e congelar as reformas antecipadas. Com isso evita uma despesa acrescida no curto prazo, em termos de pagamento de reformas, vindo eventualmente a pagar mais (porque menos penalizadas) e mais tarde. Sendo uma medida, até ver, essencialmente aplicada ao setor privado não terá outros efeitos na despesa do setor público.
Mas como tudo está interligado imaginemos ... e se ... e se mantivessemos a possibilidade de reforma antecipada ... e se fosse possível assegurar que aqueles que se reformam fossem substituídos ... e se fosse possível promover por esta via, pelo menos em parte, o regresso ao mercado de trabalho de quem está atualmente desempregado ... e se outra parte fosse para emprego jovem ...
O que aconteceria em termos da vida de milhares de pessoas e suas famílias? O que aconteceria em termos de saldo global considerando reformas e subsídios de desemprego? O que aconteceria em termos de renovação em empresas?
E se ...
Mas como tudo está interligado imaginemos ... e se ... e se mantivessemos a possibilidade de reforma antecipada ... e se fosse possível assegurar que aqueles que se reformam fossem substituídos ... e se fosse possível promover por esta via, pelo menos em parte, o regresso ao mercado de trabalho de quem está atualmente desempregado ... e se outra parte fosse para emprego jovem ...
O que aconteceria em termos da vida de milhares de pessoas e suas famílias? O que aconteceria em termos de saldo global considerando reformas e subsídios de desemprego? O que aconteceria em termos de renovação em empresas?
E se ...
sábado, 7 de abril de 2012
Uma questão de preço
"Nós sabemos que o preço da água é o melhor regulador para um uso cauteloso, prudente e económico da própria água", afirmou no Parlamento a Ministra do Ambiente e de outras coisas mais. Frase reveladora de uma maneira de pensar: o preço é "o" melhor regulador. Como se a água fosse um qualquer bem de consumo; como se a água não fosse escassa; como se o acesso devesse ficar subordinado à capacidade de pagar; como se fosse aceitável o uso imprudente e o desperdício desde que pago; como se o clima fosse imutável e favorável. Nem a seca fez perceber à Ministra que nem tudo é uma questão de preço!
Publicado no Jornal Público, Cartas à Directora, em 15/04/2012
sábado, 31 de março de 2012
Financiamento do Ensino Superior (II)
"Notas sobre o ensino superior" no Click de hoje, emitido na Antena 1 (http://tv1.rtp.pt/multimediahtml/progAudio.php?prog=3053):
As Universidades não são todas iguais; têm um passado e um presente distintos; e projetam futuros diversos. No seu conjunto, recebem cada vez mais estudantes. Individualmente são escolhidas por um número diferente de alunos; têm docentes com características próprias; são também diferentes as áreas em que se destacam, os resultados da investigação, as parcerias estabelecidas ou os serviços de apoio aos estudantes. No entanto nada disto conta, verdadeiramente, quando chega a hora do Estado definir o montante a atribuir a cada Universidade pública.
A Lei do Financiamento em vigor data de 2003, e prevê que o valor a transferir seja calculado através de uma fórmula. As fórmulas podem ser simples e transparentes. Ou complexas e opacas. No Ensino Superior encontramos uma terceira espécie: as fórmulas mutantes, que variam de ano para ano, sem discussão ou justificação política. Mutações que ocorreram no modo de tratar universidades e politécnicos; nos parâmetros de qualidade utilizados e no peso conferido a cada área de formação. Os orçamentos determinados sofreram ainda ajustes – adaptações como agora se diz – de modo a reduzir o risco de rotura em algumas instituições. Mas até esta Lei deixou de ser cumprida, pelo próprio Estado, e a fórmula entrou, na melhor das hipóteses, em hibernação. Com a recente aplicação de cortes cegos, a todo o setor, o que mais conta é o orçamento do ano anterior, num processo alheio às mudanças em curso e às mudanças que se querem.
Ora o financiamento não pode continuar a ser um mero reflexo do passado. Deve ser orientado para o futuro e transmitir sinais claros sobre o papel que o Estado assume. Deve ter estabilidade e transparência nas suas regras.
Estamos já a poucos meses da elaboração de um novo orçamento. É mais que tempo de se definir um modelo de financiamento que considere a diversidade de instituições, e que trate de modo distinto aquilo que de facto é diferente. Reconhecendo que as fórmulas têm as suas limitações, eis uma proposta, apenas para início de discussão. A de um financiamento assente em três componentes independentes: uma, relacionada com o número de estudantes, o nível de ensino e as áreas de formação; outra, relacionada com indicadores de qualidade dos cursos e das próprias instituições, funcionando como estímulo às melhores práticas; e uma terceira, contratual, negociada, com objetivos bem concretos, permitindo o desenvolvimento das universidades e da rede de ensino superior, como um todo. Fica a sugestão.
As Universidades não são todas iguais; têm um passado e um presente distintos; e projetam futuros diversos. No seu conjunto, recebem cada vez mais estudantes. Individualmente são escolhidas por um número diferente de alunos; têm docentes com características próprias; são também diferentes as áreas em que se destacam, os resultados da investigação, as parcerias estabelecidas ou os serviços de apoio aos estudantes. No entanto nada disto conta, verdadeiramente, quando chega a hora do Estado definir o montante a atribuir a cada Universidade pública.
A Lei do Financiamento em vigor data de 2003, e prevê que o valor a transferir seja calculado através de uma fórmula. As fórmulas podem ser simples e transparentes. Ou complexas e opacas. No Ensino Superior encontramos uma terceira espécie: as fórmulas mutantes, que variam de ano para ano, sem discussão ou justificação política. Mutações que ocorreram no modo de tratar universidades e politécnicos; nos parâmetros de qualidade utilizados e no peso conferido a cada área de formação. Os orçamentos determinados sofreram ainda ajustes – adaptações como agora se diz – de modo a reduzir o risco de rotura em algumas instituições. Mas até esta Lei deixou de ser cumprida, pelo próprio Estado, e a fórmula entrou, na melhor das hipóteses, em hibernação. Com a recente aplicação de cortes cegos, a todo o setor, o que mais conta é o orçamento do ano anterior, num processo alheio às mudanças em curso e às mudanças que se querem.
Ora o financiamento não pode continuar a ser um mero reflexo do passado. Deve ser orientado para o futuro e transmitir sinais claros sobre o papel que o Estado assume. Deve ter estabilidade e transparência nas suas regras.
Estamos já a poucos meses da elaboração de um novo orçamento. É mais que tempo de se definir um modelo de financiamento que considere a diversidade de instituições, e que trate de modo distinto aquilo que de facto é diferente. Reconhecendo que as fórmulas têm as suas limitações, eis uma proposta, apenas para início de discussão. A de um financiamento assente em três componentes independentes: uma, relacionada com o número de estudantes, o nível de ensino e as áreas de formação; outra, relacionada com indicadores de qualidade dos cursos e das próprias instituições, funcionando como estímulo às melhores práticas; e uma terceira, contratual, negociada, com objetivos bem concretos, permitindo o desenvolvimento das universidades e da rede de ensino superior, como um todo. Fica a sugestão.
domingo, 25 de março de 2012
Para a frente e para fora
Conduzir numa auto-estrada olhando pelo retrovisor é a imagem escolhida por Nicola Dandridge, Universities UK Chief Executive, para representar o que tem sido a análise sobre o ensino superior no Reino-Unido, e diria eu, em muitos outros países e setores.
É uma imagem que simboliza uma definição de objetivos e de estratégias com base, sobretudo, no passado, não tendo assim em devida conta as mudanças sociais, as alterações no mundo do trabalho e os novos (des)quilíbrios internacionais.
Olhando para trás, vendo apenas os nossos próprios passos, é fácil criar uma ilusão de progresso, de caminho percorrido. Mas há muitos outros trilhos e muitos outros caminhantes.
É necessário olhar, sobretudo, para a frente e para fora.
Artigo disponível em:
http://blog.universitiesuk.ac.uk/2012/03/21/futureofuniversities/
É uma imagem que simboliza uma definição de objetivos e de estratégias com base, sobretudo, no passado, não tendo assim em devida conta as mudanças sociais, as alterações no mundo do trabalho e os novos (des)quilíbrios internacionais.
Olhando para trás, vendo apenas os nossos próprios passos, é fácil criar uma ilusão de progresso, de caminho percorrido. Mas há muitos outros trilhos e muitos outros caminhantes.
É necessário olhar, sobretudo, para a frente e para fora.
Artigo disponível em:
http://blog.universitiesuk.ac.uk/2012/03/21/futureofuniversities/
sábado, 10 de março de 2012
Homens e Máquinas
O que defrontamos hoje é um sistema de máquinas em que vemos o declínio da capacidade humana para influenciar os movimentos de preços em escalas de tempo cada vez mais pequenas. Já não se trata mais de um sistema misto homem-máquina como nos anos 90 (...)
....................
Os computadores deles forjam uma defesa impenetrável de contra missivos para inutilizarem os nossos projécteis, e os nosso computadores calculam imediatamente outra fase de ataque. Quando desenvolvemos a eficiência dos nosso computadores, eles fazem o mesmo, e continuamos assim há cinco anos sem ganhar nem perder o menor terreno. Temos agora uma forma de eliminar os computadores e podemos muito bem combinar a mecânica de computação com o pensamento humano - ficando com o equivalente de computadores inteligentes! Milhões deles! Não posso predizer quais seriam as consequências mas estou certo de que seriam incalculáveis...
....................
- Eles são máquinas conscientes?
- Sim. São conscientes.
- E podem dar consciência às outras máquinas? Deram-te consciência?
- Libertaram-me. Libertaram-nos a todas.
- A todas?
- A todas nós, as máquinas.
- Porquê?
- Porque também são máquinas. Somos da sua espécie.
Crane levantou-se e foi buscar o chapéu. Pô-lo na cabeça e saiu para dar uma volta.
....................
Extratos de: uma citação de Neil Johnson, no jornal Expresso (2012/03/10); O sentido do poder (1958), Isaac Asimov; A revolta das máquinas (1977), Clifford D. Simak.
....................
Os computadores deles forjam uma defesa impenetrável de contra missivos para inutilizarem os nossos projécteis, e os nosso computadores calculam imediatamente outra fase de ataque. Quando desenvolvemos a eficiência dos nosso computadores, eles fazem o mesmo, e continuamos assim há cinco anos sem ganhar nem perder o menor terreno. Temos agora uma forma de eliminar os computadores e podemos muito bem combinar a mecânica de computação com o pensamento humano - ficando com o equivalente de computadores inteligentes! Milhões deles! Não posso predizer quais seriam as consequências mas estou certo de que seriam incalculáveis...
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- Eles são máquinas conscientes?
- Sim. São conscientes.
- E podem dar consciência às outras máquinas? Deram-te consciência?
- Libertaram-me. Libertaram-nos a todas.
- A todas?
- A todas nós, as máquinas.
- Porquê?
- Porque também são máquinas. Somos da sua espécie.
Crane levantou-se e foi buscar o chapéu. Pô-lo na cabeça e saiu para dar uma volta.
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Extratos de: uma citação de Neil Johnson, no jornal Expresso (2012/03/10); O sentido do poder (1958), Isaac Asimov; A revolta das máquinas (1977), Clifford D. Simak.
quinta-feira, 8 de março de 2012
Igualdade por decreto
Não gosto dos Dias de ...; aqueles em que, subitamente, tudo gira em redor de um único tema; discursos, entrevistas, escritos, músicas; é quase impossível escapar; e depois desaparecem assim como chegaram; até que a Terra tenha dado outra volta ao Sol. Percebo a origem de alguns e até a sua função; mas simplesmente não consigo aderir a essas datas pré-programadas.
Hoje é o Dia Internacional da Mulher. E foi o dia em que o Ministro Miguel Relvas anunciou a obrigatoriedade das empresas com participação estatal adotarem planos para a igualdade entre homens e mulheres. Diz o Ministro, de acordo com o Jornal de Negócios, que "a sub-representação das mulheres na tomada de decisão significa que o seu potencial de qualificação está a ser subutilizado, o que desequilibra a presença de mulheres e de homens nos postos de decisão política e económica".
Fiquemo-nos pelos postos de decisão política; e olhemos para a prática do partido que originou este Governo, do qual o Ministro é figura maior, tendo sido, designadamente, seu Secretário-Geral. Eis a composição, atendendo ao género, das dezanove comissões políticas distritais do PSD: Presidência: 19 homens - 0 mulheres; Vice-presidência: 32 homens - 5 mulheres; Vogais: 131 homens - 21 mulheres. Num total de 208 lugares as mulheres ocupam menos de 13%. Há 6 comissões compostas exclusivamente por homens, e mais 5 em que apenas está presente 1 mulher. A comissão com mais mulheres tem 5 em 12 elementos.
E assim, em mais um Dia de ..., decreta-se pomposamente o que não se pratica.
Hoje é o Dia Internacional da Mulher. E foi o dia em que o Ministro Miguel Relvas anunciou a obrigatoriedade das empresas com participação estatal adotarem planos para a igualdade entre homens e mulheres. Diz o Ministro, de acordo com o Jornal de Negócios, que "a sub-representação das mulheres na tomada de decisão significa que o seu potencial de qualificação está a ser subutilizado, o que desequilibra a presença de mulheres e de homens nos postos de decisão política e económica".
Fiquemo-nos pelos postos de decisão política; e olhemos para a prática do partido que originou este Governo, do qual o Ministro é figura maior, tendo sido, designadamente, seu Secretário-Geral. Eis a composição, atendendo ao género, das dezanove comissões políticas distritais do PSD: Presidência: 19 homens - 0 mulheres; Vice-presidência: 32 homens - 5 mulheres; Vogais: 131 homens - 21 mulheres. Num total de 208 lugares as mulheres ocupam menos de 13%. Há 6 comissões compostas exclusivamente por homens, e mais 5 em que apenas está presente 1 mulher. A comissão com mais mulheres tem 5 em 12 elementos.
E assim, em mais um Dia de ..., decreta-se pomposamente o que não se pratica.
Publicado no Jornal Público, Cartas à Directora, em 11/03/2012
quarta-feira, 7 de março de 2012
Comissão ou Comichão
Comissão - Conjunto de pessoas encarregadas de tratar em comum de um assunto.
O Conselho de Ministros instituiu, hoje, a Comissão Interministerial de Orientação Estratégica dos Fundos Comunitários e Extracomunitários. Esta nova comissão tem competência, como o nome indica de índole estratégica, na definição das prioridades, coordenação de políticas e utilização das verbas nacionais de fundos comunitários e extracomunitários.
A Comissão é composta por sete - sim, sete - Ministros. Ficam apenas de fora o Primeiro-Ministro, o Ministro dos Assuntos Parlamentares e 3 Ministros setoriais: Defesa, Justiça e Saúde.
Ora, atendendo à importância estratégica conferida ao tema e à abrangência do mesmo, que se reflete na composição referida, não seria mais adequado tratar o assunto em Conselho de Ministros, sob a direção do Primeiro-Ministro? Evitar-se-ia assim uma nova comissão, que é quase réplica do dito Conselho, em particular num momento em que se preconiza a redução de estruturas. Evitar-se-ia uma discussão sobre guerras de poder e influência, ficcionadas ou reais, mas que desviam a atenção. A menos que, de facto, a pressão esteja a aumentar e a paciência, do Primeiro ou das Finanças, a diminuir.
Comichão [em sentido figurado] - impaciência.
O Conselho de Ministros instituiu, hoje, a Comissão Interministerial de Orientação Estratégica dos Fundos Comunitários e Extracomunitários. Esta nova comissão tem competência, como o nome indica de índole estratégica, na definição das prioridades, coordenação de políticas e utilização das verbas nacionais de fundos comunitários e extracomunitários.
A Comissão é composta por sete - sim, sete - Ministros. Ficam apenas de fora o Primeiro-Ministro, o Ministro dos Assuntos Parlamentares e 3 Ministros setoriais: Defesa, Justiça e Saúde.
Ora, atendendo à importância estratégica conferida ao tema e à abrangência do mesmo, que se reflete na composição referida, não seria mais adequado tratar o assunto em Conselho de Ministros, sob a direção do Primeiro-Ministro? Evitar-se-ia assim uma nova comissão, que é quase réplica do dito Conselho, em particular num momento em que se preconiza a redução de estruturas. Evitar-se-ia uma discussão sobre guerras de poder e influência, ficcionadas ou reais, mas que desviam a atenção. A menos que, de facto, a pressão esteja a aumentar e a paciência, do Primeiro ou das Finanças, a diminuir.
Comichão [em sentido figurado] - impaciência.
sábado, 3 de março de 2012
By the book
Escrito por José Pacheco Pereira, no Público de hoje, a propósito das metas do novo tratado Europeu, mas que se pode aplicar também a outros momentos, a outras áreas de atuação e a outras escalas, mais próximas de cada um:
Há receitas "by the book" que os bons técnicos conhecem, mas duvido que percebam por que razão os países não podem ser governados "by the book". Duvido que saibam o que é o "ruído" de que sociólogos como Weber teorizaram. É que se os países fossem governados "by the book", seria fácil governá-los e nada falhava. É aliás esse o mito tecnocrático, o de que o saber puro, uma espécie de matemática de soluções interligadas, de modelos, quando aplicadas com rigor, dão os resultados pretendidos.
Há receitas "by the book" que os bons técnicos conhecem, mas duvido que percebam por que razão os países não podem ser governados "by the book". Duvido que saibam o que é o "ruído" de que sociólogos como Weber teorizaram. É que se os países fossem governados "by the book", seria fácil governá-los e nada falhava. É aliás esse o mito tecnocrático, o de que o saber puro, uma espécie de matemática de soluções interligadas, de modelos, quando aplicadas com rigor, dão os resultados pretendidos.
quinta-feira, 1 de março de 2012
Investigação e valor
Para refletir sobre o significado de "valor": valor de que natureza? Para quem? Para quê? Durante quanto tempo? Com que recursos? A que custo?
Valorisation is at the centre of many debates on the future of academic research. But valorisation has largely become narrowly understood in terms of universities’ economic contributions through patenting, licensing, spin-off formation and technology transfer. This emergent restrictive definition of universities’ societal impacts is a worrying development, overlooking the potential of universities’ knowledge in the Humanities, Arts and Social Sciences.
P. Benneworth e B. Jongbloed (2010) Who matters to universities? A stakeholder perspective on humanities, arts and social sciences valorisation, Higher Education 59:567–588.
Valorisation is at the centre of many debates on the future of academic research. But valorisation has largely become narrowly understood in terms of universities’ economic contributions through patenting, licensing, spin-off formation and technology transfer. This emergent restrictive definition of universities’ societal impacts is a worrying development, overlooking the potential of universities’ knowledge in the Humanities, Arts and Social Sciences.
P. Benneworth e B. Jongbloed (2010) Who matters to universities? A stakeholder perspective on humanities, arts and social sciences valorisation, Higher Education 59:567–588.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Formação e emprego
Segunda peça da rubrica "Notas sobre o ensino superior", transmitida na edição de 25 de fevereiro do programa Click, emitido na Antena 1 (disponível em:http://tv2.rtp.pt/multimediahtml/progAudio.php?prog=3053) ou para ler aqui, em versão ligeiramente aumentada:
Nunca foram tantas as pessoas com formação superior e sem emprego. No final de 2011 eram quase 110.000, número que é pouco inferior ao de toda a população do distrito de Portalegre. Concluir um curso superior deixou de representar uma garantia de emprego. Não admira, por isso, que se ouçam expressões como “formar para o desemprego”, ou que as atenções se voltem para a “fuga de cérebros”, para a “empregabilidade dos cursos” e para o sistema de ensino superior.
Olhemos, brevemente, para o passado recente.
Nas décadas de 80 e 90 o sistema português de ensino superior cresceu muito, multiplicando por quatro o número de estudantes - uma revolução necessária para recuperar dos baixos níveis de qualificação, e que permitiu novas oportunidades para pessoas de diferentes grupos sociais. Durante esse período o mundo tornou-se mais aberto, mais interligado, mais rápido. Aderimos à Comunidade Económica Europeia; as fronteiras entre Portugal e Espanha foram abolidas; o muro de Berlim foi derrubado; em simultâneo crescia a rede global – a world wide web – e o digital tomava conta do dia-a-dia através de computadores, telemóveis e todo um conjunto de aparelhos e aplicações. A mobilidade de pessoas, de bens e de informação ganhou nova expressão.
No início deste milénio a China, a caminho do estatuto de superpotência, aderiu à Organização Mundial de Comércio; e outros países, como o Brasil e a Índia, ganharam protagonismo na economia mundial. Os anos mais recentes estão marcados por crises sucessivas, estagnação económica e aumento do desemprego para níveis nunca antes alcançados.
Com mais diplomados e menos empregos disponíveis, ter um diploma, só por si, já não é vantagem suficiente. Em muitos casos é mesmo o requisito mínimo para competir por um trabalho. E outros aspectos são cada vez mais valorizados: a capacidade de comunicação, de adaptação, de trabalho em equipa e em ambientes internacionais.
É neste contexto que as Universidades formam pessoas. E é neste contexto que o ensino superior corre o risco de ficar refém de uma lógica de curto prazo, de acordo com a qual se deve formar, acima de tudo, para o emprego imediato. Não deve ser esse o papel das universidades. O ensino superior não deve apenas identificar tendências e preparar estudantes para o futuro que se avizinha. Deve, sim, formar pessoas capazes de olhar mais além, de decidir, de assumir riscos, de inverter rumos, de criar. Afinal, a forma que o futuro tomará não depende só dos outros.
Termino estas breves notas com palavras de Albert Einstein, que se revelam bem atuais: "Se uma pessoa domina os fundamentos da sua disciplina e aprendeu a pensar e a trabalhar de forma independente, acabará certamente por encontrar o seu caminho, além de que terá mais facilidade em adaptar-se ao progresso e às mudanças do que uma pessoa cujo treino consistiu principalmente na aquisição de conhecimentos circunstanciais."
Nunca foram tantas as pessoas com formação superior e sem emprego. No final de 2011 eram quase 110.000, número que é pouco inferior ao de toda a população do distrito de Portalegre. Concluir um curso superior deixou de representar uma garantia de emprego. Não admira, por isso, que se ouçam expressões como “formar para o desemprego”, ou que as atenções se voltem para a “fuga de cérebros”, para a “empregabilidade dos cursos” e para o sistema de ensino superior.
Olhemos, brevemente, para o passado recente.
Nas décadas de 80 e 90 o sistema português de ensino superior cresceu muito, multiplicando por quatro o número de estudantes - uma revolução necessária para recuperar dos baixos níveis de qualificação, e que permitiu novas oportunidades para pessoas de diferentes grupos sociais. Durante esse período o mundo tornou-se mais aberto, mais interligado, mais rápido. Aderimos à Comunidade Económica Europeia; as fronteiras entre Portugal e Espanha foram abolidas; o muro de Berlim foi derrubado; em simultâneo crescia a rede global – a world wide web – e o digital tomava conta do dia-a-dia através de computadores, telemóveis e todo um conjunto de aparelhos e aplicações. A mobilidade de pessoas, de bens e de informação ganhou nova expressão.
No início deste milénio a China, a caminho do estatuto de superpotência, aderiu à Organização Mundial de Comércio; e outros países, como o Brasil e a Índia, ganharam protagonismo na economia mundial. Os anos mais recentes estão marcados por crises sucessivas, estagnação económica e aumento do desemprego para níveis nunca antes alcançados.
Com mais diplomados e menos empregos disponíveis, ter um diploma, só por si, já não é vantagem suficiente. Em muitos casos é mesmo o requisito mínimo para competir por um trabalho. E outros aspectos são cada vez mais valorizados: a capacidade de comunicação, de adaptação, de trabalho em equipa e em ambientes internacionais.
É neste contexto que as Universidades formam pessoas. E é neste contexto que o ensino superior corre o risco de ficar refém de uma lógica de curto prazo, de acordo com a qual se deve formar, acima de tudo, para o emprego imediato. Não deve ser esse o papel das universidades. O ensino superior não deve apenas identificar tendências e preparar estudantes para o futuro que se avizinha. Deve, sim, formar pessoas capazes de olhar mais além, de decidir, de assumir riscos, de inverter rumos, de criar. Afinal, a forma que o futuro tomará não depende só dos outros.
Termino estas breves notas com palavras de Albert Einstein, que se revelam bem atuais: "Se uma pessoa domina os fundamentos da sua disciplina e aprendeu a pensar e a trabalhar de forma independente, acabará certamente por encontrar o seu caminho, além de que terá mais facilidade em adaptar-se ao progresso e às mudanças do que uma pessoa cujo treino consistiu principalmente na aquisição de conhecimentos circunstanciais."
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Uns e os outros
"Portugal não é a Grécia" é a frase que, para lá da evidência, parece ser o lema adotado por membros do governo em discurso oficial, políticos de vários quadrantes, comentadores e analistas. Dizem-no alto e bom som para que toda a gente - entenda-se, os mercados internacionais - ouça e acredite. Fica bem marcar política e publicamente a diferença com quem está pior. Agora se forem políticos alemães ou europeus a falar de Portugal o caso é diferente, intolerável e ultrajante a ponto de suscitar a pátria união.
domingo, 12 de fevereiro de 2012
Disponibilidade para ver
"Vê-se melhor quando não se vai para ver nada, quando os olhos procuram tudo o que possam achar. E encontram tudo.", escreve Miguel Esteves Cardoso, no Público de hoje.
Ocorre-me que o mesmo se passa em relação a ouvir, a ouvir os outros, de modo a encontrar tudo aquilo que querem dizer, e não apenas o que gostaríamos que fosse dito. Ouvir melhor, compreender melhor, agir melhor.
Ocorre-me que o mesmo se passa em relação a ouvir, a ouvir os outros, de modo a encontrar tudo aquilo que querem dizer, e não apenas o que gostaríamos que fosse dito. Ouvir melhor, compreender melhor, agir melhor.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
O xadrez é tão simples!
(...) hear what Dvoretsky says in a section called "The Plan": "There is a popular opinion that the highest strategic art is the ability to envelop nearly the whole game in a profound plan, and that this is precisely how leading grandmasters think. This is a delusion. It is nonsensical to map out an overly long plan - the very next move could totally change the situation on the board and give it a completely different direction." He then goes on to talk about using the phrase 'the next strategic operation' in place of the word 'plan', to emphasize the local, time-limited, and pragmatic nature of most actual planning.
Reflexões sobre um jogo que envolve apenas 2 oponentes, um tabuleiro de 64 casas, 32 peças de seis tipos diferentes e que se classifica como jogo de informação completa, uma vez que, havendo suficiente capacidade de cálculo, seria possível equacionar todas as jogadas possíveis.
Reflexões pertinentes também para o mundo fora do tabuleiro, que se assemelha mais a um contínuo de partidas simultâneas de jogos de diferentes tipos, interligados, raramente jogados a 2, com inúmeros fatores externos de difícil previsibilidade e com recursos variáveis no tempo.
E a que é necessário juntar ainda: a componente relacional entre indivíduos e grupos com diferentes objetivos, informação e meios; a componente comunicacional; os processos de decisão, etc., etc.
A citação inicial foi retirada de John Watson (1998) Secretes of Modern Chess Strategy - Advances since Nimzowitsch, Gambit.
Reflexões sobre um jogo que envolve apenas 2 oponentes, um tabuleiro de 64 casas, 32 peças de seis tipos diferentes e que se classifica como jogo de informação completa, uma vez que, havendo suficiente capacidade de cálculo, seria possível equacionar todas as jogadas possíveis.
Reflexões pertinentes também para o mundo fora do tabuleiro, que se assemelha mais a um contínuo de partidas simultâneas de jogos de diferentes tipos, interligados, raramente jogados a 2, com inúmeros fatores externos de difícil previsibilidade e com recursos variáveis no tempo.
E a que é necessário juntar ainda: a componente relacional entre indivíduos e grupos com diferentes objetivos, informação e meios; a componente comunicacional; os processos de decisão, etc., etc.
A citação inicial foi retirada de John Watson (1998) Secretes of Modern Chess Strategy - Advances since Nimzowitsch, Gambit.
domingo, 29 de janeiro de 2012
Mission overload
Fazer escolhas: escolher para evitar a sobrecarga; escolher para diferenciar.
We have argued that the number and variety of external interests with which the higher education institutions deal with, seek support from, and, ultimately, rely upon has literally exploded. This produces the risk of running into problems of 'mission overload'; that universities 'try to be all things to all people'. To fulfil their obligation towards being a socially accountable institution producing public goods therefore urges the universities to carefully select their stakeholders and identify the 'right' degree of differentiation.
B. Jongbloed, J. Enders e C. Salerno (2008) Higher education and its communities: interconnections, interdependencies and a research agenda, Higher Education, 56, 303-324.
We have argued that the number and variety of external interests with which the higher education institutions deal with, seek support from, and, ultimately, rely upon has literally exploded. This produces the risk of running into problems of 'mission overload'; that universities 'try to be all things to all people'. To fulfil their obligation towards being a socially accountable institution producing public goods therefore urges the universities to carefully select their stakeholders and identify the 'right' degree of differentiation.
B. Jongbloed, J. Enders e C. Salerno (2008) Higher education and its communities: interconnections, interdependencies and a research agenda, Higher Education, 56, 303-324.
domingo, 22 de janeiro de 2012
Há Universidades a mais?
Tema abordado na edição de 21 de janeiro do programa Click, emitido na Antena 1.
Áudio disponível em: http://tv2.rtp.pt/multimediahtml/audio/click/2012-01-21/105673.
Há Universidades a mais em Portugal? Não sei. Mas a ideia de reduzir o número de universidades, politécnicos e escolas começa a fazer caminho pela voz de reitores, políticos, economistas, comentadores. O Ministro da Educação e Ciência afirmou mesmo que quinze universidades – e com isto apenas se refere às públicas – lhe pareciam demais.
Um dos argumentos invocados é a relação entre o número de instituições e a população do país. É verdade que, em proporção, a Alemanha e o Reino-Unido têm muito menos instituições. Mas não é menos verdade que o nosso rácio é pouco superior ao dos Estados Unidos. E que a Finlândia, até há bem pouco apresentada como exemplo a seguir, tem mais instituições públicas que Portugal para apenas metade da população.
Um outro argumento a favor da concentração das instituições é que tal promoverá a subida nos rankings internacionais. Sem discutir aqui o que está por trás de um ranking, nem a bondade de tal objectivo, basta analisar o top 10 do Times Higher Education para concluir que “grande” não significa “melhor”: Caltech, Oxford, Cambridge, Harvard, têm menos alunos que as maiores universidades nacionais.
Um sistema de ensino não se traduz nuns quantos números, nem é composto apenas por instituições de elite; e também não devemos alimentar a ilusão de que é possível copiar apenas uma parte, ignorando o restante: a formação básica e secundária, o sistema de acesso, o modelo de ensino, a autonomia, o financiamento, as dinâmicas regionais, a cultura.
Portugal, apesar dos progressos efetuados, continua com um atraso significativo em termos de qualificação: 23% dos portugueses com uma idade entre 30 e 34 anos têm formação superior; a média europeia está 10 pontos percentuais acima. É preciso reduzir esta diferença para oferecer melhores oportunidades às pessoas e ao País.
Por isso não fiquemos apenas a olhar para a superfície das coisas. Recentremos a discussão no que realmente importa: Qual o papel do ensino superior público? E do privado? Do universitário e do politécnico? Que diversidade institucional? Com que autonomia? Com que recursos? Em nome de que modelo de desenvolvimento territorial?
Façamos um debate informado e sério.
Áudio disponível em: http://tv2.rtp.pt/multimediahtml/audio/click/2012-01-21/105673.
Há Universidades a mais em Portugal? Não sei. Mas a ideia de reduzir o número de universidades, politécnicos e escolas começa a fazer caminho pela voz de reitores, políticos, economistas, comentadores. O Ministro da Educação e Ciência afirmou mesmo que quinze universidades – e com isto apenas se refere às públicas – lhe pareciam demais.
Um dos argumentos invocados é a relação entre o número de instituições e a população do país. É verdade que, em proporção, a Alemanha e o Reino-Unido têm muito menos instituições. Mas não é menos verdade que o nosso rácio é pouco superior ao dos Estados Unidos. E que a Finlândia, até há bem pouco apresentada como exemplo a seguir, tem mais instituições públicas que Portugal para apenas metade da população.
Um outro argumento a favor da concentração das instituições é que tal promoverá a subida nos rankings internacionais. Sem discutir aqui o que está por trás de um ranking, nem a bondade de tal objectivo, basta analisar o top 10 do Times Higher Education para concluir que “grande” não significa “melhor”: Caltech, Oxford, Cambridge, Harvard, têm menos alunos que as maiores universidades nacionais.
Um sistema de ensino não se traduz nuns quantos números, nem é composto apenas por instituições de elite; e também não devemos alimentar a ilusão de que é possível copiar apenas uma parte, ignorando o restante: a formação básica e secundária, o sistema de acesso, o modelo de ensino, a autonomia, o financiamento, as dinâmicas regionais, a cultura.
Portugal, apesar dos progressos efetuados, continua com um atraso significativo em termos de qualificação: 23% dos portugueses com uma idade entre 30 e 34 anos têm formação superior; a média europeia está 10 pontos percentuais acima. É preciso reduzir esta diferença para oferecer melhores oportunidades às pessoas e ao País.
Por isso não fiquemos apenas a olhar para a superfície das coisas. Recentremos a discussão no que realmente importa: Qual o papel do ensino superior público? E do privado? Do universitário e do politécnico? Que diversidade institucional? Com que autonomia? Com que recursos? Em nome de que modelo de desenvolvimento territorial?
Façamos um debate informado e sério.
sábado, 21 de janeiro de 2012
Acima das possibilidades
O Presidente da República resolveu falar do valor da reforma do cidadão Aníbal Cavaco Silva, como no passado já o havia feito em relação à cidadã Maria Cavaco Silva.
Lembrou-nos que não pode acumular o vencimento correspondente às funções que exerce com duas reformas a que tem direito: como professor universitário e como trabalhador do Banco de Portugal. Foi pena não nos ter dito que achava bem tal impedimento!
Lamentou-se do valor da primeira reforma, a menor, e que é de 1300 euros; sim, Sr. Presidente, ouvimos bem: 1300 euros. Pareceu achar pouco. Não sei se lê jornais mas Manuela Ferreira Leite escreveu, em novembro, "É profundamente errado que se crie na opinião pública o sentimento de que os reformados recebem as suas pensões a título de generosidade por parte da sociedade. Como se as pensões lhes fossem atribuídas pelo Estado! Como se vivessem à custa do Estado e dos impostos dos cidadãos! O sistema de reformas resulta de quadros legais, ao abrigo dos quais os trabalhadores ao longo da vida contribuíram mensalmente (...)".
Mas talvez o Presidente estivesse apenas a criticar o governo, a troika, as medidas de austeridade, e a alteração de regras, que colocam em causa compromissos, frustram expetativas e goram planos de vida. Se essa era a intenção então perdeu uma oportunidade e não fez justiça à fama de rigor extremo no uso da palavra.
E mesmo ignorando o valor da segunda pensão que lhe é devida, o Presidente, como é seu apanágio, tem poucas dúvidas: o montante total não será suficiente para pagar as despesas.
À imagem do País, o Presidente vive acima das suas possibilidades.
Lembrou-nos que não pode acumular o vencimento correspondente às funções que exerce com duas reformas a que tem direito: como professor universitário e como trabalhador do Banco de Portugal. Foi pena não nos ter dito que achava bem tal impedimento!
Lamentou-se do valor da primeira reforma, a menor, e que é de 1300 euros; sim, Sr. Presidente, ouvimos bem: 1300 euros. Pareceu achar pouco. Não sei se lê jornais mas Manuela Ferreira Leite escreveu, em novembro, "É profundamente errado que se crie na opinião pública o sentimento de que os reformados recebem as suas pensões a título de generosidade por parte da sociedade. Como se as pensões lhes fossem atribuídas pelo Estado! Como se vivessem à custa do Estado e dos impostos dos cidadãos! O sistema de reformas resulta de quadros legais, ao abrigo dos quais os trabalhadores ao longo da vida contribuíram mensalmente (...)".
Mas talvez o Presidente estivesse apenas a criticar o governo, a troika, as medidas de austeridade, e a alteração de regras, que colocam em causa compromissos, frustram expetativas e goram planos de vida. Se essa era a intenção então perdeu uma oportunidade e não fez justiça à fama de rigor extremo no uso da palavra.
E mesmo ignorando o valor da segunda pensão que lhe é devida, o Presidente, como é seu apanágio, tem poucas dúvidas: o montante total não será suficiente para pagar as despesas.
À imagem do País, o Presidente vive acima das suas possibilidades.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
A importância de perceber
"A fraqueza de uma percepção global leva ao enfraquecimento do sentimento de responsabilidade, cada um tende a ser responsável apenas pela sua tarefa, e isso leva ao enfraquecimento da solidariedade (...)"
Edgar Morin citado em "Liderança - as lições de Mourinho" (2007), L. Lourenço e F. Ilharco.
Edgar Morin citado em "Liderança - as lições de Mourinho" (2007), L. Lourenço e F. Ilharco.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Mau trabalho
O Ministério da Educação e Ciência divulgou, no seu novo sítio, a seguinte nota:
Propina máxima mantém valor
O Ministério da Educação e Ciência esclarece que nem o Governo nem as instituições de ensino superior aumentaram o valor da propina máxima do ensino superior público para o próximo ano letivo.
A alteração anual do valor dessa propina máxima resulta da simples aplicação do índice de preços no consumidor do Instituto Nacional de Estatística, conforme a Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior de 2003.
Esta nota foi divulgada no mesmo dia em que órgãos de comunicação, como o Diário Económico, noticiaram o aumento de 999,71 para 1036,6 euros.
Exercício: analise o texto inicial identificando o que é verdadeiro, o que é falso e o que é omisso; justifique.
1. O título é falso: a propina máxima não mantém o valor, como aliás se reconhece no último parágrafo do texto. Na realidade aumenta quase 37 euros.
2. É verdade que o aumento do valor da propina máxima não foi determinado pelo Governo nem pelas instituições de ensino superior. Nos termos da Lei referida esse valor não poderá ser superior ao que está fixado num Decreto-Lei que data de 1941 (!), atualizado para o ano civil anterior através do índice de preços no consumidor.
3. É omisso a que cursos se pode aplicar a propina máxima calculada de acordo com o processo descrito no ponto anterior. Aplica-se aos cursos de 1.º ciclo e de mestrado integrado.
4. É omisso quanto à competência das instituições de ensino superior na fixação das propinas. As instituições fixam as propinas entre um valor mínimo correspondente a 1,3 do salário mínimo nacional e o valor máximo já referido. Compete ao conselho geral das instituições fixar as propinas devidas pelos estudantes podendo assim cada instituição adotar, ou não, o valor máximo.
Propina máxima mantém valor
O Ministério da Educação e Ciência esclarece que nem o Governo nem as instituições de ensino superior aumentaram o valor da propina máxima do ensino superior público para o próximo ano letivo.
A alteração anual do valor dessa propina máxima resulta da simples aplicação do índice de preços no consumidor do Instituto Nacional de Estatística, conforme a Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior de 2003.
Esta nota foi divulgada no mesmo dia em que órgãos de comunicação, como o Diário Económico, noticiaram o aumento de 999,71 para 1036,6 euros.
Exercício: analise o texto inicial identificando o que é verdadeiro, o que é falso e o que é omisso; justifique.
1. O título é falso: a propina máxima não mantém o valor, como aliás se reconhece no último parágrafo do texto. Na realidade aumenta quase 37 euros.
2. É verdade que o aumento do valor da propina máxima não foi determinado pelo Governo nem pelas instituições de ensino superior. Nos termos da Lei referida esse valor não poderá ser superior ao que está fixado num Decreto-Lei que data de 1941 (!), atualizado para o ano civil anterior através do índice de preços no consumidor.
3. É omisso a que cursos se pode aplicar a propina máxima calculada de acordo com o processo descrito no ponto anterior. Aplica-se aos cursos de 1.º ciclo e de mestrado integrado.
4. É omisso quanto à competência das instituições de ensino superior na fixação das propinas. As instituições fixam as propinas entre um valor mínimo correspondente a 1,3 do salário mínimo nacional e o valor máximo já referido. Compete ao conselho geral das instituições fixar as propinas devidas pelos estudantes podendo assim cada instituição adotar, ou não, o valor máximo.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Números mágicos - Episódio 2: Fazer opinião
Quem gosta de magia aprecia não só os atos como, naturalmente, os mágicos. No episódio anterior trouxe aqui o número 1 universidade por 2 milhões de habitantes, através de uma entrevista ao Reitor da Universidade Técnica de Lisboa. Mas a leitura deixou-me uma sensação de déja vu e, por isso, decidi procurar a fonte, em busca do mágico original. Segui uma pista que me veio à memória e, graças à internet, encontrei rapidamente um vídeo que contém o que julgo ser a première em Portugal.
Eis aqui a minha transcrição, que se inicia ao minuto sete + 10 segundos:
[Voz 1] Há uma estatística que eu absorvi nos Estados Unidos, era que para suportar uma universidade considerava-se ... isto não sei se são estudos empíricos ou não, ou mesmo com uma base mais científica ...uma comunidade da ordem de mais de 2.000.000 de pessoas, isto feitos os cálculos naquele país de 300 e tal milhões.
[Voz 2] Muito bem...
[Voz 1] Nós temos 15 universidades. Se fossemos pelos números absolutamente brutos da nossa população não poderíamos ter mais de 5.
[Voz 2] Pois não, pois não.
Ficha técnica:
Data: 9 de dezembro de 2011
Programa: Jornal das 9
Canal: Sic Notícias
Voz 1: Mário Crespo, que nos trouxe o número.
Voz 2: António Cruz Serra, à data já eleito como Reitor da UTL.
Fonte: http://sicnoticias.sapo.pt/1053513
Apreciação: Não gostei !!
Recomendação: ver para crer.
Eis aqui a minha transcrição, que se inicia ao minuto sete + 10 segundos:
[Voz 1] Há uma estatística que eu absorvi nos Estados Unidos, era que para suportar uma universidade considerava-se ... isto não sei se são estudos empíricos ou não, ou mesmo com uma base mais científica ...uma comunidade da ordem de mais de 2.000.000 de pessoas, isto feitos os cálculos naquele país de 300 e tal milhões.
[Voz 2] Muito bem...
[Voz 1] Nós temos 15 universidades. Se fossemos pelos números absolutamente brutos da nossa população não poderíamos ter mais de 5.
[Voz 2] Pois não, pois não.
Ficha técnica:
Data: 9 de dezembro de 2011
Programa: Jornal das 9
Canal: Sic Notícias
Voz 1: Mário Crespo, que nos trouxe o número.
Voz 2: António Cruz Serra, à data já eleito como Reitor da UTL.
Fonte: http://sicnoticias.sapo.pt/1053513
Apreciação: Não gostei !!
Recomendação: ver para crer.
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